segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

75 Anos de Batman 3 - Batman: Presa


O MÉDICO E O MORCEGO

Temos podido apreciar ao longo  desta colecção dedicada aos 75 Anos de Aventuras do Batman, a forma como a colaboração harmoniosa entre um argumentista e um desenhador permite realçar os pontos fortes de cada um, criando uma obra cuja qualidade é superior à mera soma do talento individual dos seus criadores. Isso ficou bem evidente na forma como os textos de Grant Morrison ganham uma dimensão completamente diferente ao serem ilustrados por Dave McKean, ou Klaus Janson e ainda mais nas colaborações reveladoras de uma extraordinária cumplicidade entre Frank Miller e David Mazzucchelli e Jeph Loeb e Tim Sale, dois bons exemplos de duplas criativas em absoluta sintonia, cuja capacidade de colaboração que confirmamos de forma inequívoca nesta colecção, já tínhamos podido antever em anteriores colecções de super-heróis da Levoir.

O escritor Doug Moench e o desenhador Paul Gulacy - que assinam a história que poderão ler a seguir, publicada originalmente entre 1990 e 1991, nos nºs 11 a 15 da revista Legends of the Dark Knight - desde os anos 70 do século XX, que são o exemplo perfeito dessa capacidade de entendimento quase telepática entre dois criadores que se completam. Nascido em Chicago em 1948, Moench iniciou a sua carreira como escritor profissional em 1970, escrevendo artigos para o Chicago Sun-Times e argumentos de comics para a editora Warren, mas os leitores da DC conhecem bem o seu trabalho nas revistas do Batman ao longo de várias décadas, onde foi responsável pela substituição de Dick Grayson por Jason Todd como Robin, nos anos 80, sendo na década seguinte um dos principais argumentistas de Knightfall, o famoso arco de histórias em que Bane parte a coluna a Bruce Wayne e Azrael é obrigado a assumir temporariamente o manto do Batman. Com a colaboração do desenhador Kelley Jones, Moench foi também responsável pela versão vampiro do Cavaleiro das Trevas no Universo Elseworlds, que os leitores portugueses puderam descobrir em Chuva Vermelha, uma das histórias incluídas no volume Batman: Outros Mundos, publicado na primeira colecção que a Levoir dedicou à DC.
Nascido em 1953, Gulacy tem o seu trabalho espalhado pelas principais editoras americanas, mostrando-se perfeitamente à-vontade nos mais diversos registos, da ficção científica às histórias de super-heróis, passando pelo Western e pelas histórias de espionagem, ou de espada e feitiçaria, sendo responsável, com o escritor Don McGregor, por Sabre, uma das primeiras graphic novels a ser publicada no mercado americano, tendo mesmo chegado às livrarias em Agosto de 1978, dois meses antes da publicação de A Contract With God, de Will Eisner, considerada por muitos como o título fundador do género graphic novel.
A primeira (e para muitos, a mais marcante) colaboração entre Moench e Gulacy dá-se no início da carreira deste último, em 1974, quando ainda era estudante no Art Institute of Pittsburgh e Doug Moench substituiu o argumentista Steven Englehart no nº 20 da revista Master of Kung-fu, que Gulacy tinha começado a desenhar pouco antes, no nº 18. Juntos, pegaram numa série criada apenas para aproveitar a grande popularidade que os filmes de Kung-Fu tinham na altura, e misturando ingredientes de histórias de espionagem, policial e artes marciais, criaram uma série épica, que muitos leitores, entre os quais o realizador Quentin Tarantino colocam entre os melhores comics da década de 70. O realizador de Pulp Fiction afirma mesmo que Master of Kung-Fu foi, de longe, o melhor comic que leu na década de 70.
Um dos factores que atraiu leitores como Tarantino, é a dimensão cinematográfica do trabalho da dupla, um aspecto realçado pelo editor Archie Goodwin, que refere que “Doug Moench e Paul Gulacy têm produzido de forma consistente material que é inovador, intenso e visualmente cativante… muitos de nós que trabalhamos no meio dos comics aspiramos a uma abordagem cinematográfica, mas através da sua mescla de ritmo narrativo, diálogos e impacto visual, Moench e Gulacy criam verdadeiros filmes em papel.”
Por isso, não admira que Moench e Gulacy tenham sido dos primeiros autores convidados a colaborar na revista Legends of the Dark Knight, criada em 1989 para permitir a criadores de prestígio explorar em histórias autónomas, longe da continuidade das revistas mensais, os primeiros anos de actividade do Batman. No caso de Moench e Gulacy, não se tratou da sua estreia com o personagem, pois os dois já tinham colaborado em The Dark Rider, uma história do Cavaleiro das Trevas, publicada em 1986, nos nºs 393 e 394 da revista Batman. Mas este foi um regresso muito agradável para o desenhador, que refere: “para mim, a parte divertida de trabalhar com o Batman é que ele actua principalmente de noite. Isso dá-me oportunidade de jogar com as sombras e com uma iluminação de alto contraste. Batman adora a escuridão e adora trabalhar sozinho. Consigo identificar-me com isso.”
Em Prey, a dupla vai explorar a forma como Batman e o então Capitão James Gordon vão criar uma relação de cumplicidade, ao mesmo tempo que recupera um vilão clássico, o Professor Hugo Strange, um dos primeiros inimigos do Batman, que apareceu pela primeira em 1940, nas revistas Batman e Detective Comics, onde é retratado como um cientista louco. Em Prey, Strange surge adaptado aos novos tempos, apresentando como um psiquiatra obcecado pelo Cavaleiro das Trevas, que consegue mobilizar a opinião pública contra o Batman. Um indivíduo tão perturbado como inteligente, que quase descobre a identidade secreta de Batman e que, nas palavras de Paul Gulacy “é definitivamente o mais estranho vilão que alguma vez desenhei e um dos mais divertidos.”
Não faltam também nesta história outros momentos fundadores da mitologia do Cavaleiro das Trevas, como a criação do Batsinal, ou a construção do primeiro Batmóvel, mas o que antes de mais chama a atenção do leitor, é a audácia da planificação, o dinamismo do traço realista de Paul Gulacy, muito bem servido pela arte-final de Terry Austin, e o extraordinário sentido de movimento presente nas cenas de acção, coreografadas por Gulacy como um verdadeiro filme de artes marciais.
Naturalmente, os leitores não ficaram indiferentes à qualidade desde “filme de papel”, na expressão feliz de Archie Goodwin, dirigido por Moench e Gulacy e a dupla de criadores foi convidada a escrever uma continuação para esta história, trazendo de volta o Professor Hugo Strange. Essa continuação, publicada cerca de 10 anos depois, nos nºs 137 a 141 da revista Legends of the Dark Knight, foi Terror, mas apesar de não desiludir, bem longe disso, Prey continua a ser indiscutivelmente o ponto mais alto da ligação de Doug Moench e Paul Gulacy com o Cavaleiro das Trevas.

2 comentários:

never-ending-spleepy-eyes disse...

Embora esperasse o regresso da Marvel ou DC (com vários títulos e não apenas centrado num personagem) tenho de vos tirar o chapéu!
Excelente colecção! Quer pela selecção de títulos quer pela qualidade do papel!

Sei que há uma nova parceria para edição de novelas gráficas já na próxima semana e espero que a Levoir continue em força no mercado de super heróis após este Batman.

(Talvez algo coordenado com o regresso da Marvel aos cinemas?)

Bem mais uma vez: Obrigado!!
:)

JML disse...

Obrigado, Never! A colecção das Novelas Gráficas è imperdível, mas quem sabe se os super-heróis nao regressam ainda este ano...