domingo, 1 de fevereiro de 2015

75 Anos de Batman 2 - Batman: Asilo Arkham


BATMAN DO OUTRO LADO DO ESPELHO

Um dos mais importantes edifícios de Gotham City, o Asilo Arkham, um hospital-prisão, que acolhe os mais perturbados inimigos do Batman, surge pela primeira vez numa aventura do Cavaleiro das Trevas, numa história escrita por Denny O’Neil e desenhada por Irv Novick, publicada em 1974 no nº 258 da revista Batman, mas seria Len Wein o primeiro a explorar mais a fundo a sua história no nº1 da revista Who’s Who, de 1985.
Neil Gaiman, o criador de Sandman, define perfeitamente a importância do Asilo Arkham na mitologia da DC, ao referir que “o que torna o Asilo Arkham interessante é ser aquilo que está debaixo da pedra da DC. Tens uma bela pedra com todos esses heróis, mas se levantarmos essa pedra descobrimos uma série de pequenos insectos e vermes a estrebuchar. O Asilo Arkham é a terra onde esses vermes repousavam.”
Na história que podem ler nas páginas seguintes, essa pedra é levantada e o Batman é atirado para essa terra remexida e rodeado pelos vermes, numa viagem, tanto física como mental, pelo lado mais sombrio do Universo DC, que põe em risco a sua própria sanidade. Publicado originalmente em 1989, Asilo Arkham para além de ser a história definitiva sobre o Asilo Arkham, foi o título que atirou os seus autores, o escocês Grant Morrison e o inglês Dave McKean, para o estrelato, muito pelo modo como o excepcional trabalho gráfico de McKean se articula com o texto cheio de referências literárias de Morrison, que explora aqui pela primeira vez o universo do Cavaleiro das Trevas, iniciando um percurso brilhante como escritor do Batman, de que pudemos acompanhar alguns dos principais momentos nas anteriores colecções que a Levoir dedicou à DC Comics.
No entanto, esta bem-sucedida dupla nasceu de um acaso. Grant Morrison escreveu Asilo Arkham sem ter nenhum desenhador específico em mente e a decisão de entregar a arte da história a Dave McKean partiu da editora da DC, Karen Berger, que esteve ligada ao recrutamento de alguns dos maiores criadores ingleses, de Alan Moore a Neil Gaiman, passando por Brian Bolland e Dave Gibbons, pela DC. Na altura Mckean estava a desenhar a mini-série Black Orchid, escrita pelo seu amigo Neil Gaiman, mas Berger achou que era muito arriscado lançar dois jovens autores ingleses completamente desconhecidos do público americano, num título também desconhecido. Por isso, decidiu pôr McKean numa aventura de Batman que Grant Morrison estava a escrever, e dar um título mensal a Neil Gaiman. E foi assim que McKean conseguiu Asilo Arkham, e Gaiman conseguiu Sandman, embora, na prática, Black Orchid acabasse por ser editado antes do Asilo Arkham, pois a DC acabou por atrasar o lançamento do livro, de modo a não interferir com a estreia do filme Batman, de Tim Burton, então prestes a chegar às salas.
Com um nome que traduz uma clara homenagem ao escritor H.P. Lovecraft (cujas histórias tinham normalmente por cenário uma cidade fictícia chamada... Arkham) o Asilo Arkham é um hospício onde está aprisionada a vasta galeria de inimigos de Batman. Uma casa de loucos, fundada por um louco, o professor Amadeus Arkham, cuja história se cruza com a de Batman na complexa narrativa criada por Morrison. O escritor escocês, em 2005, no texto incluído na edição do 15º aniversário da publicação do Asilo Arkham define a sua história como “uma narrativa sobre a psicologia humana em que Batman e os seus inimigos são usados como símbolos. A Casa, o Asilo, não é um lugar físico, mas o cérebro de alguém.
A construção da história foi influenciada pela arquitectura da casa - o passado e o conto de Amadeus Arkham formam a cave. As passagens secretas ligam ideias e segmentos do livro. As histórias que se passam nos pisos superiores, estão cheias de simbolismos e de metáforas. Temos também referências à geometria sagrada, pois a planta do Asilo Arkham é inspirada pela Abadia de Glastonbury e pela Catedral de Chartres. O percurso ao longo do livro é como uma travessia pelos vários pisos da casa. A casa e o cérebro são um só.”
Não por acaso, o livro abre e fecha com citações da Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol e, tal como a heroína de Carrol, também Batman passa para o outro lado do espelho ao entrar no Asilo Arkham. Tal como acontece no filme O Feiticeiro de Oz, de Victor Fleming, também aqui essa passagem do mundo real para um universo fantástico é dada pela cor, que está ausente das sequências iniciais com Batman em Gotham City e que McKean trabalha como ninguém, numa espectacular mistura de técnicas, nas cenas passadas no interior do Asilo Arkham.
Também a opção de o Batman ser uma figura mais sugerida que mostrada, que deu uma aura de mistério ao livro, tem segundo Neil Gaiman uma explicação bastante prosaica, como se percebe pelo excerto da entrevista conduzida por Whitley O’Donnell, publicada em 1991, no nº 103 da revista Comics Interview em que refere: “As pessoas estão sempre a perguntar ao Dave onde é que ele foi buscar a ideia de representar o Batman como essa figura negra e misteriosa que o leitor nunca chega a ver bem, mas a verdade é que ele não gosta de desenhar o Batman. Por isso, passou o livro todo a tentar mostrar o menos possível do Batman!”
Muito mais uma história de terror psicológico carregada de simbolismos do que uma simples aventura de Batman, Asilo Arkham, para além de ser o resultado de uma feliz sucessão de acasos, é, acima de tudo, um deslumbrante catálogo das notáveis possibilidades estéticas  da arte de Dave McKean, um dos mais talentosos e versáteis artistas (e designer) que já passaram pelo mundo dos comics que, tal como Morrison faz em relação às referências literárias, vai buscar elementos da pintura simbolista, do impressionismo e do surrealismo, numa mistura de técnicas, em que o desenho se articula com a pintura, com a fotografia e as colagens, num todo visualmente deslumbrante e, até então, nunca visto numa história de super-heróis.
Considerado pelo site IGN como uma das cinco melhores histórias do Batman de sempre, Asilo Arkham está também na origem de uma série de jogos de computador de sucesso, iniciada em 2009, com o jogo escrito por Paul Dini - um dos responsáveis pela série de animação Batman Adventures e argumentista responsável por Batman: Detective, um dos próximos volumes desta colecção - que veio alargar a imensa popularidade de Batman a um público que não se restringe aos leitores de comics. Mas foi nesta viagem perturbadora ao outro lado do espelho que tudo começou!

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