quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Universo Marvel 16 - X-Women: Mulheres da Marvel


Nesta série Universo Marvel, este foi o meu único texto que teve de ser alterado. Assim, na versão impressa desapareceram as referências ao filme Ilsa e os comentários ao argumento de Claremont tiveram que ser suavizados. Também a galeria de capas de Manara no final do livro sofreu alterações em relação ao previsto. Das 12 capas que falam no meu texto, apenas 11 aparecem. A ausente é (naturalmente) a famosa capa de Spider-Woman # 1 que tanta polémica provocou...

UNIVERSO MARVEL VOL 16
X-Women: Mulheres da Marvel
Argumento - Chris Claremont, Marjorie Liu, Stuart Moore e Kelly Sue DeConnick
Desenhos - Milo Manara, Filipe Andrade, Nuno Plati, Mark Brooks e Ryan Stegman


O HOMEM QUE GOSTAVA DE MULHERES

O cineasta François Trufaut dizia que “o cinema é arte de fazer coisas bonitas a mulheres bonitas”. Uma definição que assenta como uma luva ao trabalho em Banda Desenhada de Milo Manara. Um autor que apresenta grandes pontos de contacto com Bertrand Morane, o protagonista do filme de Truffaut O Homem Que Gostava de Mulheres, para quem “as pernas das mulheres são compassos que medem o globo terrestre em todas as direcções dando-lhe equilíbrio e harmonia”. Tal como Morane o fazia através da escrita, também Manara, graças ao seu traço sensual, fez do corpo feminino o centro do seu mundo poético.
Nascido em Luson, Itália, a 12 de Setembro de 1945, Manara depois do liceu, onde estudou arte, inscreveu-se na Faculdade de Arquitectura de Veneza, mas cedo abandonou os estudos para seguir a sua vocação artística, trocando Veneza por Verona, onde começou a trabalhar como ajudante do escultor espanhol Miguel Ortiz Berrocal. É então que descobre que a Banda Desenhada, à qual até então nunca dera muita atenção, se estava a tornar “um formidável meio de expressão total”.
Um meio em que se estreia em 1969, desenhando histórias eróticas, como as aventuras de Jolanda de Almaviva, para as Edições Erregi, ao mesmo tempo que colabora com Il Corriere dei Ragazzi desenhando La Parola Alla Giura (A palavra ao Júri), uma série escrita por Milo Milani que em Portugal foi publicada no Mundo de Aventuras. Seguiu-se entre 1976 a 1979, a participação na colecção A Descoberta do Mundo publicada pela prestigiada editora francesa Larousse, em que o seu desenho surge ao lado de outros grandes ilustradores franceses, espanhóis e italianos e do português Eduardo Teixeira Coelho.
Apesar do sucesso de Lo Scimmiotto, uma adaptação muito livre da mesma lenda chinesa que está na origem do Dragon Ball de Akira Toriyama, escrita por  Silvério Pisu, o grande ponto de viragem da obra (e da vida) de Manara dá-se quando conhece Hugo Pratt, o criador de Corto Maltese, que além de seu mestre se torna seu grande amigo. Uma relação de respeito, amizade e cumplicidade, bem patente em H.P. e Giuseppe Bergman, a primeira aventura de Giuseppe Bergman, em que o próprio Pratt é um dos personagens, H. P., o mestre da aventura. Juntos, Pratt e Manara assinarão duas obras-primas, Verão Índio e El Gaúcho e construirão uma amizade que apenas a morte de Pratt veio interromper.

Mas os trabalhos que assinou com Hugo Pratt não são o único exemplo de colaboração entre Manara e outros importantes criadores, pois o desenhador vai trabalhar estreitamente com Pedro Almodovar, Alejandro Jodorowsky e sobretudo Federico Fellini, com quem vai transpor para a BD Viagem a Tulum e Il Viaggio di G. Mastorna detto Fernet, dois projectos cinematográficos de Fellini, nunca realizados.
Para além destas colaborações prestigiantes e das aventuras de Giuseppe Bergman o seu alter-ego em BD, ou se quisermos voltar a Trufaut, o seu Antoine Doinel, a carreira de Manara fez-se sobretudo de títulos que exploram a fundo o erotismo do corpo feminino, de que a série Clic é o exemplo mais popular e o seu maior sucesso comercial. Um sucesso que Manara não renega e que assume sem complexos, quando refere: “Não, não tenho a hipocrisia de quem mostra cús na televisão a toda a hora, para vender iogurte ou cera para pavimentos. Vendo o que desenho: exactamente aquilo que o público espera de mim”.
Perante o prestígio do seu nome, a popularidade da sua obra e, sobretudo, a qualidade do seu traço único e sensual, era só uma questão de tempo até Manara entrar no mercado americano. Essa entrada dá-se em 2003, através de Neil Gaiman, que o escolhe (naturalmente) para ilustrar o episódio protagonizado por Desire no livro Endless Nights, que assinalou o regresso do escritor inglês à série Sandman.
  Mais tarde, em Março de 2006, a Marvel anunciava que Manara estava a trabalhar com Chris Claremont numa história dos X-Men, em que seria dado natural destaque às heroínas do grupo. Como Manara tinha que conciliar este projecto com a sua colaboração com Jodorowsky na série Borgia, seria preciso esperar até ao Outono de 2008, para ver o trabalho de Manara nos X-Men, graças á edição italiana da Panini, que primeiro lançou a obra numa edição a preto e branco e formato europeu, com o título X-Men: Ragazze in Fuga. Finalmente, em Julho de 2009, chega a edição americana, numa revista de 48 páginas, com o título X-Women, em que Dave Stewart (colorista habitual de Mike Mignola e um dos mais premiados coloristas da indústria dos Comics) dá cor ao traço de Manara, substituindo Tanino Liberatore, o desenhador de Ranxerox que, conforme Manara me confidenciou em 2008, numa entrevista, era o colorista inicialmente previsto.
A história, feita por medida por Claremont para o desenho de Manara, é movimentada, tem algumas ideias interessantes, como a tribo de "cargo cultists", os adoradores de aviões, mas peca um pouco pela redundância dos textos, o que não é propriamente uma novidade em Claremont... Mas esta história, em que os elementos femininos dos X-Men vêm as suas férias na Grécia interrompidas pelo rapto de Rachel, o que as leva até Madripoor, onde têm que enfrentar uma inimiga que parece saída de um filme da série Ilsa, a Loba dos SS, é acima de tudo um pretexto para Manara fazer aquilo que faz melhor do que ninguém, desenhar mulheres elegantes e sensuais em poses provocantes e (até por vezes) gratuitas.

Tratando-se de uma história dos X-Men, não há qualquer nudez, mas o que o traço de Manara sugere é muito mais erótico do que se mostrasse tudo. E convém não esquecer que, além de saber desenhar mulheres como ninguém, Manara tem um perfeito domínio da narrativa em BD, um excelente sentido de composição da página e não poupa nos pormenores quando se trata de desenhar cenários naturais ou arquitectónicos.
Mas nem só de Manara vive este volume dedicado às Mulheres da Marvel. Temos também os portugueses Filipe Andrade e Nuno Plati, que ilustram uma história de Marjorie Liu centrada em X-23, a jovem mutante, clone de Wolverine, treinada para ser uma máquina de matar, que apenas quer viver a sua vida. A história de Marjorie Liu aproveita muito bem o talento e as características bem distintas dos dois desenhadores portugueses, como Plati a tratar num registo expressionista as cenas no mundo dos sonhos, enquanto Andrade desenha a realidade das ruas de Nova Iorque.

Também a heroína Adaga (e o seu inseparável Manto) está presente, numa história de Stuart Moore, ilustrada por Mark Brooks e Walden Wong, que explora a relação instável desta dupla inseparável de heróis, tal como Lady Sif, a companheira de Thor que, numa história escrita por Kelly Sue DeConick e ilustrada por Ryan Stegman, em que Sif se refugia em Nova Iorque para lidar com as memórias do período em que Loki assumiu o controlo do seu corpo.
E este volume termina como começou. Com o traço único e sedutor de Milo Manara a dar vida às principais heroínas da Marvel, numa dúzia de ilustrações, realizadas como capas alternativas de diversas revistas, em que Manara traz as mulheres da Marvel para o seu universo estético com excelentes resultados. Uma dúzia de imagens tão espectaculares como inesquecíveis, que aqui são recolhidas em conjunto pela primeira vez.

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