sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Universo Marvel 15 - Homem-aranha e Vingadores: Contos de Fadas Marvel


De toda a colecção Universo Marvel, este é o volume que mais me diz e aquele porque mais me bati para fosse incluído nesta colecção, apesar das reticências iniciais da Panini, que o considerava com um volume "pouco comercial". Mas, como achamos que é importante publicar em Portugal o trabalho que os artistas portugueses fazem para a Marvel, o volume fez-se e numa edição enriquecida com um dossier final que nos mostra os bastidores do trabalho de João Lemos e Nuno Plati. 
E, para que fique esclarecido, a não inclusão do Ricardo Tércio neste dossier resultou da vontade do próprio, que perdeu todo o material que tinha da história do Capuchinho Vermelho e já não se identifica com o trabalho que fez na história do Feiticeiro de Oz, preferindo que o mesmo não seja mostrado. Uma decisão que, naturalmente, aceitámos. 

UNIVERSO MARVEL VOL 15
Homem-Aranha e Vingadores: Contos de Fadas Marvel
Argumento – C. B. Cebulski
Desenhos – João Lemos, Nick Dragotta, Niko Enrichon, Nuno Plati, Ricardo Tércio

ERA UMA VEZ…  NO UNIVERSO MARVEL

Era uma vez… um desenhador português, João Lemos, que em Janeiro de 2005, no Festival de Banda Desenhada de Angoulême encontra por acaso Joe Quesada, desenhador e editor-chefe da Marvel e lhe entrega o seu portfólio. Portfólio esse que, um pouco mais tarde, acabaria por chegar às mãos de C. B. Cebulski, editor, director, principal caça-talentos e argumentista da Marvel, que ficou absolutamente fascinado com o traço único de Lemos e o contactou imediatamente.
Mas deixemos que seja o próprio Cebulski a contar como tudo aconteceu: “O primeiro autor português que conheci pessoalmente foi o João Lemos. Todo o grupo de artistas foi a Angoulême um ano em que o Joe Quesada era convidado. O Joe trouxe vários portfólios e pediu-me para lhes dar uma vista de olhos. Havia muitos artistas diferentes mas o portefólio do João era um dos mais únicos que tinha visto na vida e pensei logo que o tinha de contactar. Então a primeiro coisa que fiz foi enviar-lhe um email a dizer “Hey daqui é o C.B. Cebulski da Marvel. Recebi o teu portefólio pelo Joe Quesada. Estás interessado em trabalhar nalgumas ideias?” O email foi enviado no dia 1 de Abril, o dia das mentiras, e o que aconteceu é que ele pensou que era o Ricardo [Tércio] ou o Nuno [Plati] a pregarem-lhe uma partida, mas era mesmo eu. Ele respondeu que adorava trabalhar em algo, mas como na altura não havia nada disponível na Marvel então começámos a desenvolver um projecto para a Image e posteriormente através dele conheci os outros dois e a relação começou a crescer a partir daí.”
A ideia de Cebuslki, que além do seu trabalho como editor e director da Marvel, desenvolve uma actividade paralela como argumentista, alternando entre os trabalhos por encomenda para a Marvel e os projectos mais autorais para a Image, em que detém os direitos sobre a história e as personagens, era criar diferentes histórias de raiz com cada um dos desenhadores portugueses. O mais falado desses projectos foi Shiki, uma mini-série concebida a meias com João Lemos, que se ocupou dos desenhos. Mas o seu trabalho para a Marvel e as constantes viagens a que o mesmo obriga não lhe deixam grande tempo livre para escrever, o que fez com que, das colaborações previstas com os desenhadores portugueses, apenas tenha sido publicada uma história curta ilustrada por Nuno Plati, na antologia 24/Seven, editada pela Image.
Assim, a colaboração entre o argumentista americano e os três desenhadores portugueses que então partilhavam atelier no Estúdio da Bica, haveria por se concretizar finalmente um pouco mais tarde, no âmbito do projecto Marvel Fairy Tales, em que C. B. Cebulski pegava em contos de fadas e lendas tradicionais de diferentes países, com destaque para o Japão, de que Cebulski é um apaixonado, adaptando essas histórias ao universo Marvel.
Primeiro saiu em 2006 a mini-série X-Men Fairy Tales, em que desenhadores tão diferentes como Bill Sienkiewicz, Kyle Baker e os japoneses Sana Takeda e Kei Kobayashi ilustravam lendas japonesas e africanas e contos dos irmãos Grimm, protagonizados por membros dos X-Men. Seguir-se-ia em 2007, a mini-série Spider-Man Fairy Tales, que abre logo com uma versão da história do Capuchinho Vermelho, ilustrada por Ricardo Tércio e que inclui contos de fadas tradicionais e lendas africanas e japonesas. Finalmente em 2008, surge a mini-série Avengers Fairy Tales, centrada na transposição de clássicos da literatura, como o Peter Pan, Alice no País das Maravilhas, Pinóquio e O Feiticeiro de Oz (que antes de ser um filme com Judy Garland, já era um livro de L. Frank Baum) para o Universo Marvel, em que apenas o japonês Takeshi Miyazawa, que ilustra uma versão da Alice…, de Lewis Carol, e a francesa Claire Wendling que assegura as capas, ameaçam a hegemonia artística nacional. O facto dos desenhadores japoneses e portugueses substituírem os americanos nesta série, mostra a forma como Cebulski não olha a fronteiras para encontrar o desenhador certo para cada história. Citando mais uma vez Cebulski: “Trabalhei primeiro com o Ricardo Tércio no Spider-Man Fairy Tales, mas quando os Avengers Fairy Tales aconteceram, sabia que o João era perfeito para o Peter Pan, o Nuno para o Pinóquio e o Ricardo, com quem tive uma óptima relação a trabalhar antes, para o Feiticeiro de Oz.”
Se X-Men Fairy Tales e Spider-Man Fairy Tales foram recolhidas em livro, após a publicação inicial em revista, já Avengers Fairy Tales, apesar da excelente recepção crítica não terá vendido tanto como as mini-séries anteriores - talvez por não ter nenhum desenhador conhecido do público americano e os Vingadores não terem então a popularidade dos X-Men, ou do Homem-Aranha –   e não teve a mesma sorte, sendo apenas recolhida numa colectânea mais genérica, chamada Marvel Fairy Tales, que além das quatro histórias de Avengers Fairy Tales, recolhia também uma história de cada uma das mini-séries anteriores. Uma edição modesta, em formato digest (um formato de bolso, mais pequeno do que o formato americano tradicional) impressa num papel demasiado poroso, que não fazia justiça ao trabalho dos desenhadores, que apenas no volume que têm nas mãos vêm o seu trabalho reproduzido com a qualidade que a excelência do seu traço merece.
Um volume que recolhe pela primeira vez no seu formato original, uma selecção das melhores histórias das mini-séries Spider-Man Fairy Tales e Avengers Fairy Tales, dando natural destaque às histórias ilustradas pelos desenhadores portugueses. Assim, para além das histórias ilustradas pelos desenhadores portugueses, que analisaremos mais a seguir, temos Niko Henrichon, que os leitores portugueses conhecem de Fábula de Bagdad, uma história de Brian K. Vaughn sobre um bando de leões fugidos do jardim zoológico de Bagdad durante a guerra do Golfo, em que demonstra todo o seu talento para desenhar animais, a ilustrar uma lenda africana sobre Kwaku Anansi, o Deus Aranha e Nick Dragotta, contando com o apoio do traço inconfundível de Mike Allred na arte-final, ilustra uma variação da história da Cinderella, com uma curiosa inversão de género em que temos Gwen Stacy como a princesa e Peter Parker como Cinderello…
O primeiro ilustrador português a participar neste projecto, Ricardo Tércio, foi também o único a ilustrar duas histórias baseadas nos contos de fadas. Uma versão da história do Capuchinho Vermelho com Mary Jane no papel do Capuchinho e Venom como o lobo mau, ilustrada toda digitalmente por Tércio, que é também autor da ilustração da capa, num estilo próximo do cinema de animação. Um registo que Tércio altera na versão do Feiticeiro de Oz que ilustrou para Avengers Fairy Tales, em que desenho assistido por computador dá lugar ao mais tradicional desenho a tinta-da-china sobre papel, colorido com ecolines, mas com que o autor ficou bastante menos satisfeito do que os leitores, razão porque optou por voltar ao desenho digital nos seus trabalhos seguintes.
A menos óbvia das adaptações e, quanto a mim a mais conseguida, é a adaptação de Peter Pan de James Barrie com o Capitão América como Peter Pan e os restantes Vingadores como os Meninos Perdidos, em que o notável trabalho de pesquisa de João Lemos, que podemos apreciar mais em pormenor no dossier final, ajudou a dar maior solidez a uma belíssima história, tornada mágica pelo traço etéreo e estilizado de Lemos, muito bem servido pelas cores suaves de Christina Strain. Finalmente, Nuno Plati ilustra com grande elegância uma versão do Pinóquio de Carlo Collodi, como o Visão no papel do boneco que queria ser um menino de carne e osso.
Tem aqui o leitor seis histórias mágicas, unidas pelo argumento de Cebulski que fundem os contos de fadas, as lendas tradicionais e aos clássicos da literatura com a mitologia do Universo Marvel, dando origem a um novo género de contos de fadas. Contos pensados para os leitores do século XXI, para quem o Homem-Aranha e o Capitão América são tão ou mais familiares que o Pinóquio, ou o Peter Pan.

MAKING OF CONTOS DE FADAS MARVEL

Nas páginas que se seguem, podemos acompanhar a forma diferente, até no suporte (com o trabalho de Plati a ser inteiramente digital) como dois dos desenhadores portugueses deste volume abordaram a sua participação no projecto dos Contos de Fadas Marvel, através de exemplos do trabalho preparatório, que normalmente não chega ao leitor, que apenas tem acesso ao produto final. 

JOÃO LEMOS
  
Se, como já vimos no editorial que abre este volume, foi graças a João Lemos que Cebulski descobriu o talento e a versatilidade dos ilustradores portugueses, o desenhador luso nascido em 1977 ficará na história como o primeiro português a escrever uma história para a Marvel, pois Lemos foi o argumentista de Wolverine: The Dust from Above, uma história do mais popular mutante da Marvel, desenhada pela italiana Francesca Ciregia, para em seguida voltar a Wolverine como desenhador com The Adamantium Diaries, uma história curta, escrita por Sarah Cross para a revista Wolverine 1000. 
E o trabalho de Lemos para o mercado americano não se limitou à Marvel, pois ele foi um dos autores convidados por David Petersen para colaborar na série Tales of the Mouse Guard, editada pela Archaia Press, assinando como autor completo (argumento, desenhos cor e legendagem) a história que funciona como epílogo à edição encadernada, para além de ter trabalhado na série televisiva Once Upon a Time, da ABC, onde foi responsável pelas ilustrações do livro de contos de fadas que aparece no episódio piloto e tem um papel fundamental na série.

A grande cumplicidade existente entre Cebulski e João Lemos reflecte-se na forma quase orgânica como a história que transpõe o Peter Pan de J. M. Barrie para o Universo Marvel foi sendo construída. Nas palavras de Lemos: “O C.B. fez um guião/sinopse de guião que, como me coube a mim a pesquisa em relação à Terra do Nunca, foi sendo ampliado e remendado pelos dois ao longo do processo. Foram também feitos alguns ajustes em relação a que personagens Marvel equivaleriam a personagens da Neverland à medida que se avançava. A história foi trabalhada de um modo bastante orgânico, numa relação de ping-pong que preveniu grande parte das eventuais correcções, pois todas as partes estavam, mais do que a par dos avanços dos outros, envolvidas nos mesmos desde o início.”
Mas, para além da sintonia entre os dois criadores, outro aspecto importante deste trabalho é a pesquisa exaustiva que o desenhador efectuou e que lhe permitiu encher a história de referências à obra original J. M. Barrie, muitas delas só detectáveis pelos especialistas. Um trabalho exaustivo e por isso moroso, mas que deu grande prazer a Lemos como o próprio refere: “O ponto alto da pesquisa/imersão foi ter conseguido estabelecer contacto directo com Andrew Birkin, uma das maiores autoridades mundiais em tudo o que diz respeito a Peter Pan ou J.M. Barrie. Através da sua tremenda generosidade, tive acesso a recursos tais como scans das plantas de palco do quarto das crianças (do arquivo do Great Ormond St. Children's Hospital, que detém em perpetuidade os direitos de autor da obra). O quarto dos miúdos, nas primeiras páginas, é desenhado a partir da planta dos cenários da peça de teatro original, que o próprio J.M. Barrie traçou.  É apenas um dos vários easter eggs que couberam neste comic.”
A CONSTRUÇÃO DO JOLLY ROGER 
(OU COMO UMA MAQUETA TRIDIMENSIONAL AJUDA A CONTAR UMA HISTÓRIA EM BD)
Se a maqueta que Lemos construiu do quarto de Wendy com base nos cenários da primeira representação teatral de Peter Pan, sofreu um acidente fatal e está hoje reduzida a escombros, os leitores podem ver nesta página a outra maqueta que João Lemos usou para a sua participação no projecto Avengers Fairy Tales. A maqueta do Jolly Roger, o navio-pirata do Capitão Gancho, ou neste caso, do seu equivalente nos Contos de Fadas da Marvel, o Garra Sónica. A construção deste modelo tridimensional permitiu a Lemos estabelecer de forma mais rigorosa a diferente colocação das personagens no navio ao longo da história e ter uma noção mais exacta da coreografia a estabelecer para essas personagens.  

NUNO PLATI

De entre os três artistas lusos presentes neste livro, Nuno Plati, é indiscutivelmente o que mais histórias tem publicadas na Marvel. Nascido em Lisboa em 1975, Plati tem formação em Design Gráfico na Faculdade de Belas Artes de Lisboa e como ilustrador freelancer trabalhou para os principais jornais e revistas nacionais e para empresas de dimensão global como a Marvel, a EA Games ou a Axis Animation, no design de personagens, storyboards, e livros de Banda Desenhada.
Para além da história que tivemos ocasião de ler neste livro, o trabalho de Plati para a “Casa das Ideias” disponível no nosso país inclui uma história curta para a revista Iron Man: Titanium (já publicada numa anterior colecção que a Levoir dedicou à Marvel) e um one-shot da X-23 - desenhada a meias com outro português, Filipe Andrade - que poderão ler no próximo volume desta colecção, dedicado às mais sensuais mulheres da Marvel. Ainda para a Marvel, Plati foi também responsável pelo desenho completo e cor dos comics Shanna, the She Devil e Marvel Girl, a que se seguiu mais uma história curta para a revista Amazing Spider-Man # 657, que assinala a entrada do Homem-Aranha para o Quarteto Fantástico, na sequência da morte de Johnny Storm, o Tocha Humana, pela mini-série Marvel Universe: Ultimate Spider-man e pelos números 10 e 11 da revista Superior Foes of Spider-man. Mais recentemente, desenhou a mini-série Alpha: Big Time, com argumento de Joshua Hale Fialkov e participou, com outros desenhadores no número final da revista Wolverine and the X-Men, escrita por Jason Aaron. 
Plati, que já tinha trabalhado com C. B. Cebulski numa história curta para a antologia 24/Seven, publicada pela Image, teve uma abordagem bastante mais descontraída do que João Lemos à fase da pesquisa, até porque a escolha do andróide Visão como o equivalente da Marvel do Pinóquio, era bastante evidente. 
Para além do filme da Disney, que apresenta uma versão mais asséptica e ligeira da história original de Carlo Collodi, a pesquisa de Plati incidiu mais no livro de Collodi e no trabalho dos diferentes ilustradores que ilustraram este clássico, de modo a entrar melhor no ambiente da história.
A partir daqui, a história foi crescendo de forma orgânica, através do diálogo constante com C. B. Cebulski e, com excepção de uma versão da Feiticeira Escarlate em criança, que acabaria por não entrar na história e de uma versão do Visão/Pinóquio com um colete, que acabaria por não ser usada, os estudos de personagens que podem ver nestas páginas foram aceites sem qualquer outra alteração – algo de invulgar no sistema de funcionamento habitual da indústria americana dos comics, em que o “editor” (termo que nos EUA designa não o dono da editora – o Publisher – mas sim quem faz o editing da história, sugerindo as alterações que considera necessárias aos autores) assegura a ligação entre a editora e as várias pessoas envolvidas no projecto, que não necessitam de estar fisicamente próximas e que, muitas vezes, nem sequer se conhecem pessoalmente. Neste caso, e tal como aconteceu com Lemos, deu lugar a um diálogo frutuoso entre amigos - o argumentista americano e os desenhadores portugueses - com Molly Lazer, a editora da série, a ter uma intervenção bastante menor do que é habitual.
Depois desta estreia fulgurante, com excepção do próprio Plati, que tem trabalhado com regularidade para a Marvel, os restantes artistas que se estrearam na com este projecto, acabaram por não ter as oportunidades que provavelmente esperavam de trabalhar com maior frequência para a “Casa das Ideias”, sendo o mais flagrante o caso de Tércio, que depois disso apenas coloriu a mini-série Onslaught Unleashed, desenhada pelo português Filipe Andrade. Na realidade, as características únicas e distintas do estilo personalizado dos desenhadores nacionais, que foi o que levou Cebulski a apostar neles, tornou-os difíceis de encaixar nas histórias de super-heróis mais tradicionais. João Lemos, por exemplo, teve editores que lhe disseram que o estilo dele era “demasiado mágico” para as histórias de super-heróis…
Por isso, Nuno Plati interroga-se se não teria sido melhor para as suas carreiras se os projectos para a Image se tivessem concretizado e a estreia no mercado americano não se tivesse feito através da Marvel. Sendo impossível de saber se assim seria, o que é uma verdade incontornável é que foi com os Contos de Fadas da Marvel que tudo começou. E é esse momento fundamental na carreira internacional dos três ilustradores portugueses, que está finalmente disponível em português no país que os viu nascer, numa edição que faz justiça à importância do acontecimento.   

1 comentário:

never-ending-spleepy-eyes disse...

Com o novo anuncio de filmes da marvel será que vamos ter finalmente o Inhumans de Paul Jenkins & Jae Lee em portugês? (creio que ainda serão umas 280 páginas, talvez em 2 volumes?)
:)