domingo, 29 de junho de 2014

Textos Editoriais Marvel NOW! 4 - Capitão América: Perdido na Dimensão Z


UM ESTRANHO NUMA TERRA ESTRANHA

O livro que vão ler a seguir, assinala a estreia do Capitão América na linha Marvel NOW, iniciativa que marcou um novo ponto de partida para muitos heróis da Marvel e uma porta de entrada para novos leitores.
No caso do Capitão América, coube a Rick Remender a ingrata tarefa de suceder à marcante etapa de Ed Brubaker como argumentista do Sentinela da Liberdade. Uma fase incontornável e impossível de superar no mesmo registo, razão porque Remender optou por uma abordagem completamente diferente, que troca as histórias de espionagem e a intriga política que marcaram a fase de Brubaker por uma abordagem diferente, que explora a fundo a dimensão fantástica do Universo Marvel, retirando o Capitão América dos cenários habituais, para o enviar para um mundo inóspito e surreal. Um mundo em que Steve Rogers não é visto como o símbolo do ideal americano, mas como um estranho a tentar sobreviver numa terra tão estranha como perigosa, um mundo desolado, repleto de ameaças mortíferas.
 Como muitas vezes tem acontecido ao longo da história da Marvel, é Jack Kirby que indica o caminho a seguir. Não a fase inicial de criação da personagem com Joe Simon, nos anos 40, mas o regresso do King às histórias do Capitão América, nos anos 70. É essa fase, tão imaginativa, como delirante que Remender vai usar para ponto de partida da sua aproximação ao Sentinela da Liberdade. Como o próprio refere: “havia um tom muito próprio no que Jack fazia nos anos 70. Uma estranha mistura de espionagem, ficção científica e uma pura imaginação psicadélica. Decidi tentar fazer algo similar, juntando-lhe naturalmente o meu toque pessoal”.
Com uma carreira que se iniciou na animação, trabalhando em filmes como The Iron Giant e Titan A. E., Rick Remender começou por ser mais um artista do que um escritor, desenhando diversas séries para editoras tão diferentes como a Dark Horse, Dynamite, Image, IDW e Radical Comics, antes da Marvel lhe propor um contrato exclusivo como escritor. Na linha Marvel NOW, começou por assinar o argumento de Uncanny Avengers, antes de se ocupar também da revista do Capitão América.
Nesta nova viagem, Remender conta com a companhia de John Romita Jr. e Klaus Janson, duas lendas vivas da Marvel que voltam a trabalhar com ele, depois de terem colaborado na série Punisher. E o argumentista não poupa nos elogios a Romita, dizendo que, trabalhar com ele “é como trabalhar com Jack Kirby. (…) o seu trabalho é espantoso. Diria que está muito próximo do que ele fez com Frank Miller em Daredevil: Man Without Fear. Nesse sentido, decidi ir beber aos tempos do Capitão América de Kirby, quando personagens como Arnim Zola foram criados. Todas essas ideias gigantescas, esse tom de ficção científica. É um prazer ver o Johnny a desenhar todas essas coisas fantásticas. Não há ninguém capaz de desenhar Kirby e continuar a ser ele próprio, como o Johnny”.
É esse prazer de ver John Romita Jr. a desenhar uma história épica, ao melhor nível de Jack Kirby, alternando entre os mundos futuristas da Dimensão Z e os ecos da infância de Steve Rogers durante a Grande Depressão, que os leitores poderão desfrutar de seguida. Um prazer que não termina já no fim deste livro, pois as aventuras do Capitão américa na Dimensão Z, continuam no próximo volume.
Texto originalmente publicado em Capitão América: Perdido na Dimensão Z, Vol. 1, de Junho de 2014.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Le Transperceneige em destaque na revista Bang!


Já está disponível nas lojas FNAC de todo o país o nº 16 da revista Bang!, a excelente revista gratuita de informação sobre fantasia, ficção científica e terror, editada pela editora Saída de Emergência. Como de costume, este número conta com um texto meu sobre Banda Desenhada. Neste caso sobre Le Transperceneige, a mítica BD de Jacques Lob e Jean-MarcRochette, publicada no início dos anos 80 na revista (A Suivre) e recentemente adaptada ao cinema, com excelentes resultados, no filme Snowpiercer, do coreano Bong Joon-Ho. E enquanto não coloco aqui o texto deste número (o que acontecerá no início de Julho), deixo-vos com um punhado de imagens que não couberam nas páginas da Bang! e com o trailler do filme
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domingo, 22 de junho de 2014

Maus finalmente reeditado em português



Depois de uma primeira edição em 2 volumes, lançada pela Difel durante a década de 90 e há muito esgotada, Maus, a obra-prima de Art Spiegelman volta a estar finalmente disponível em português, numa edição integral da Bertrand, que junta mais um título de peso ao seu catálogo de novelas gráficas.
Professor na Scholl of Visual Arts de Nova Iorque (por onde passou também Will Eisner), vencedor do Grande Prémio de Angoulême, colaborador da prestigiada revista New Yorker (cuja directora de arte é a sua mulher, Francoise Moully) e editor da revista Raw, a mais célebre revista alternativa de BD americana, onde Maus foi pré-publicado e onde se estrearam no mercado americano nomes como Jacques Tardi, ou Joost Swarte, Art Spiegelman é um nome incontornável da BD, mas apesar da importância da sua obra global, é Maus que lhe garante um lugar de destaque no panteão da BD.
Obra singular e dificilmente classificável (como constatou o júri do Prémio Pulitzer, que não sabia se havia de o incluir na categoria "ficção", ou "reportagem", optando por lhe atribuir um Pulitzer especial...), Maus reúne de forma nunca antes vista dois géneros de BD antagónicos, mas com grandes tradições nos E.U.A.: os "funny animals", em que personagens animais antropomorfizadas se comportam como seres humanos, de que as criações da Disney são o exemplo mais evidente e popular, e a BD de cariz autobiográfico, que de Robert Crumb a Will Eisner, passando por Harvey Pekar, esteve na origem de alguns dos mais interessantes comics e graphic novels publicados nos E.U.A. nas últimas décadas.

A opção de Spiegelman, oriundo de uma família de judeus polacos, de utilizar animais para relatar a dramática história dos seus pais, desde o gueto de Varsóvia até ao pesadelo de Auschwitz, permite resolver de forma eficaz a dificuldade de transmitir o horror inimaginável de que se revestiu a "solução final". Ao substituir seres humanos (completamente despojados da sua humanidade e reduzidos a fantasmas que apenas tentam sobreviver) por ratos, gatos, ou porcos, vai permitir um certo distanciamento do leitor, que facilita a leitura e a apreensão de um dos maiores horrores da história da humanidade.
A opção por animais e o estilo minimalista do desenho, são bem sintomáticos do talento narrativo de Spiegelman, que soube encontrar a linguagem mais ajustada para contar a história de um sobrevivente e a sua complexa relação com o passado e com a sua família. O traço de Spiegelman, apesar de simples, revela-se quase expressionista nas situações de maior intensidade dramática, numa perfeita sintonia com as necessidades do argumento. Do mesmo modo, o autor mistura de forma equilibrada as recordações do seu pai, Vladeck Spiegelman, com a sua relação com ele, não hesitando em julgar, de uma forma que pode parecer demasiado dura,  o actual comportamento do seu pai, marcado pela amargura, desconfiança e uma profunda avareza. E não deixa de ser algo incómodo para o leitor a forma extremamente sincera e até despudorada, como são desvendadas todas as angústias e inseguranças que minaram a relação familiar entre Vladeck e a sua mulher, Anja, e a forma como isso se vai reflectir na difícil relação de Art Spiegelman com o seu pai, que apesar de ter sobrevivido, ficou inevitavelmente marcado pela experiência traumática de Auschwitz.
Embora faça todo o sentido num único volume, Maus foi publicado originalmente em dois volumes e há uma clara separação entre eles, com a primeira parte da história centrada no advento do nazismo e na dramática situação do gueto de Varsóvia, enquanto que a segunda parte nos leva até ao coração das trevas, o campo de concentração de Auschwitz onde, com o Vladeck sublinha ironicamente, os seus problemas começaram. E o humor não está ausente deste dramático relato, com Spiegelman a revelar grande ironia na forma como lidou com o sucesso do primeiro livro, com umas cenas de crise existencial que recordam Woody Allen, outro autor de origem judaica, o que parece vir confirmar que a ironia desencantada é uma característica genética dos judeus.
Belíssimo e doloroso exorcismo do tenebroso e incompreensível  genocídio de um povo, Maus é também uma forma singular de psicoterapia da complexas relação entre o autor e o seu pai.  Prova definitiva das potencialidades da Banda Desenhada como linguagem narrativa autónoma, ao mesmo nível da literatura, Maus é uma obra obrigatória e incontornável pelas suas qualidades artísticas e pela importância do seu testemunho sobre o Holocausto. Uma obra-prima que finalmente, volta a estar novamente disponível para os leitores portugueses.
Maus de Art Spiegleman, Bertrand Editora, 296 pags, 17,70 €

terça-feira, 10 de junho de 2014

O (duplo) regresso de Bill Waterson



Quase vinte anos depois de ter terminado a série Calvin and Hobbes e de se ter retirado da Banda Desenhada, Bill Waterson, que este ano foi galardoado com o Grande Prémio do Festival de BD de Angoulême, vai dando alguns ténues sinais que um eventual regresso ao activo não é tão impossível como se pensava...
Primeiro foi a ilustração que fez para o cartaz do documentário Stripped, de David Kellet, dedicado precisamente às comic strips, as tiras de BD publicadas na imprensa, de que Waterson é um mestre incontestado. Documentário em que Waterson foi (naturalmente) um dos entrevistados, embora não apareça na imagem...
 Mais recentemente, já neste mês de Junho, o cartoonista Stephan Pastis, criador da divertida série Pérolas a Porcos, publicada em Portugal pela Bizâncio, revelou que três tiras recentes da série tinham sido desenhadas a meias com Bill Waterson.
Ele conta a história toda aqui , mas mesmo assim, vou resumir o que se passou. Tudo resultou de uma troca de mails entre Pastis e Waterson, depois do primeiro ter mandado ao criador de Calvin & Hobbes, uma tira em que usava o seu nome...

O facto de Waterson ter achado piada e ter respondido ao mail, levou Pastis a ir mais longe e tentar a sua sorte. E a verdade é que conseguiu que Waterson colaborasse na série desenhando parcialmente três tiras e escrevendo os respectivos diálogos. Todo o processo foi feito por mail, pois Waterson, que é extremamente cioso da sua privacidade, nunca deu o seu número de telefone a Pastis e só permitiu que a sua participação na série só fosse divulgada após a publicação das tiras.
Para permitir esta colaboração, Pastis introduziu na série uma nova personagem, Libby, uma rapariguinha que queria entrevistar Pastis para um trabalho da escola e que acaba por o ajudar a desenhar a série. São precisamente os desenhos atribuídos a Libby (nome que é um anagrama de Bill) que Waterson  desenhou e a saída de Libby da série também evoca a famosa última tira de Calvin.
Aqui ficam as famosas tiras que a presença de Waterson torna históricas:






















E para terminar, o momento em que Libby abandona a série tal como Calvin, para explorar o mundo.