domingo, 23 de fevereiro de 2014

As Águias de Roma IV



OS LOBOS E A ÁGUIA

Quase em simultâneo com a edição original francesa, a Asa lançou em final de 2013 o quarto livro da série As Águias de Roma, título que assinala a estreia do desenhador suíço Enrico Marini como argumentista. Protagonizada por dois homens, Marcus, filho de um oficial romano e Ermanamer, filho de um príncipe da Germânia, levado para Roma como refém e rebaptizado Caius Julius Arminius, que são criados juntos como irmãos, mas que o destino irá colocar em lados diferentes da barricada, a história de As Águias de Roma tem por base acontecimentos históricos reais das Guerras Germânicas.
Acontecimentos esses, ocorridos no século I e que culminaram com a batalha da floresta de Teutoburgo, no ano 9, em que o exército romano foi massacrado pelas tribos germânicas comandadas por Armínio. Esse combate, em que os lobos germânicos trucidaram a águia romana, obrigou as tropas de Roma a retirar para cá do rio Reno, que se manteve como uma das fronteiras definitivas do Império romano.

Tal como acontece com Murena, de Dufaux e Delaby, outra série tendo como pano de fundo o Império romano, que a Asa também está editar em Portugal, em relação a Lucius Murena, Marini também cria um personagem fictício, como Marcus, colocando-o a interagir com personagens históricos, como Arminius e Varos, de modo a criar uma intriga ancorada nos factos históricos. Mas se compararmos as duas séries, é evidente o maior peso da acção sobre a intriga em As Águias de Roma, consequência lógica de Marini ser, antes de tudo, um desenhador. Ao contrário de Murena, em que o traço rigoroso do malogrado Philippe Delaby, ao serviço de uma rigorosa reconstituição histórica, servia sobretudo para fazer avançar a intriga, Marini opta por desenvolver bastante mais as sangrentas cenas de combate. Cenas complexas e bem coreografadas, desenhadas com grande realismo, mas sem abdicar de uma dimensão espectacular, patente no uso de poucos quadrados por página, a sua maioria num formato panorâmico, que permite enquadramentos mais épicos e cinematográficos.

Também em termos de cor, o trabalho de Marini é notável, com os tons frios e cinzentos das paisagens da Germania e das armaduras dos legionários romanos, a dominarem este álbum, em contraste com as cores mais luminosas dos dois primeiros álbuns, cuja acção decorria sobretudo em Roma. Um dos mais dinâmicos e espectaculares desenhadores realistas europeus, Marini mostra aqui que também é um bom argumentista, criando personagens complexos, por quem o leitor se interessa. Nesse aspecto, a ambiguidade de Arminius, dividido entre a sua amizade por Marcus e a vontade de libertar o seu povo do jugo romano, está bastante bem explorada.
Se Marini não alterar as suas intenções iniciais, a série terminará no próximo volume, com a batalha de Teutoburgo, momento-chave da afirmação de Arminius como líder incontestável do povo germano. E, mesmo sabendo qual das partes saiu vencedora, isso não diminui em nada a minha expectativa em relação ao capítulo final desta excelente série, que afirmou Marini como um autor completo.  
(“As Águias de Roma - Livro IV”, de Marini, Asa, 60 pags, 16,50 €)
Versão integral do texto publicado no Diário As Beiras de 22/02/2014 

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