sábado, 18 de maio de 2013

Rugas: O Apagar da Memória





Depois de ter lançado recentemente algumas Bandas Desenhadas importantes, como Persepolis, de Marjane Satrapi e Fun Home de Alison Bechdel, (e outras nem tanto, como os “Pequenos Prazeres”, de Arthur De Pins…) através do seu selo, Contraponto, a editora Bertrand regressa à edição de BD com selo próprio, com Rugas, do espanhol Paco Roca.
Para além da importância simbólica do regresso de uma editora com largas tradições no género, tendo sido responsável pela edição da versão portuguesa da revista Tintin e pela estreia em álbum no nosso país de autores como Hugo Pratt, Tardi, ou Comés, este lançamento é importante pelo livro que assinala o regresso. Uma belíssima reflexão sobre um tema delicado e cruel, a doença de Alzheimer, contada com um rigor que não se revela incompatível com a delicadeza e o humor.

Embora praticamente desconhecido em Portugal, Paco Roca é um dos mais interessantes autores de BD espanhóis da nova geração, como demonstrou em El Juego Lúgubre, o seu livro de estreia, em que a personagem e a obra de Salvador Dali servem de ponto de partida para uma história policial com contornos (naturalmente) surrealistas. Mas foi este Rugas, editado originalmente em França pela Delcourt em 2007, que o lançou internacionalmente, tendo arrebatado diversos prémios, sido editado em vários países e adaptado ao cinema numa longa-metragem de animação que venceu dois prémios Goya (os Óscares espanhóis) e que tem estreia comercial em Portugal marcada para o próximo dia 23 de Maio.
Na origem de Rugas está a velhice dos pais de Paco Roca e a descoberta que Emílio, o pai de um dos seus melhores amigos, tinha Alzheimer. O assistir à rápida degeneração intelectual de uma pessoa culta e muito inteligente como Emílio, levou-o a investigar a doença e a visitar vários lares, onde colheu vários episódios verídicos, que acabou por incorporar na sua história, como a personagem de Rosário, que se imaginava num comboio em direcção a Istambul, ou Carmencita, que nunca ficava sozinha, com medo de ser raptada pelos marcianos. E Rugas, para além da história pessoal de Emílio, um bancário reformado que é metido num lar quando a doença já não lhe permite manter-se autónomo, é um retrato simultaneamente terno e cruel da vida num lar de idosos, em que a maioria das pessoas vegeta, num dia a dia sempre igual, marcado pelo horário das refeições e pela televisão que lhes embala o sono.

Optando por um registo clássico, com cores suaves e um traço semi-caricatural, muito próximo da “linha clara” franco-belga, que confere grande legibilidade à história e ajuda a atenuar a carga dramática do tema, Paco Roca concilia esse “classicismo” gráfico, com algumas soluções narrativas brilhantes. Veja-se a forma como as feições de Miguel, o melhor amigo de Emílio, se vão esbatendo, à medida que Emílio vai deixando de o reconhecer, ou a belíssima ilustração da capa, em que as principais personagens viajam no comboio do sonho de Rosário e as memórias de Emílio que a doença vai inexoravelmente apagando, surgem representadas por velhas fotografias a preto e branco que o vento leva da sua cabeça aberta, numa solução gráfica que me recordou Le Voyage, de Baudoin.      
Depois de Comprimidos Azuis, de Frederik Peeters, em relação à SIDA, este Rugas mostra uma vez mais a capacidade da Banda Desenhada de tratar temas delicados de uma forma única. Basta que os autores tenham o talento que não falta a Paco Roca.
(“Rugas”, de Paco Roca, Bertrand edições, 106 pags,16,60 €)
Versão integral do texto publicado no Diário As Beiras de 18/05/2013

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Vida de Oesterheld dá série de televisão


Se há vidas que dão um filme, a vida (e a morte) de Hector Germán Oesterheld, um dos melhores argumentistas de Banda Desenhada de todos os tempos, daria, como deu, uma série de televisão. O argumentista argentino, criador do Eternauta, Mort Cinder, ou Sargento Kirk, foi uma das inúmeras vítimas da ditadura argentina, tendo engrossado em 1977 a lista dos "desaparecidos". Verdadeiro herói nacional na Argentina, pela qualidade e impacto das suas histórias e pela sua morte trágica, Oesterheld vê os últimos anos da sua vida, em que trabalhou para a editorial Columba e escreveu a segunda parte de El Eternauta na clandestinidade, transformados numa série televisiva de 13 episódios. German, últimas Viñetas, assim se chama a série, começou a ser exibida na televisão pública argentina no dia 30 de Abril, ao ritmo de episódios semanais.



Com argumento de Luciano Saracino e realização de Cristian Bernard, Flavio Nardini e Federico Sosa, a série conta com uma poderosa interpretação de Miguel Angel Solá, como Oesterheld, que compensa as escassas semelhanças físicas com o argumentista argentino. Misturando factos reais com a própria obra de Oesterheld, a série mescla a vida e a obra de Oesterheld, com alguns alguns dos seus personagens a entrarem na acção, num toque de realismo mágico, tipicamente sul-americano. É o caso de Ernie Pike, o correspondente de guerra que criou para Hugo Pratt e que na imagem aqui vemos, aparece sentado a conversar com H.G.O. nas bancadas do Estádio do River Plate, cenário de uma das cenas mais marcantes do primeiro Eternauta. Embora a série ainda esteja em curso de exibição, já é possível ver os primeiros episódios no You Tube e, melhor do que isso, a própria televisão argentina criou um site onde é possível ver os episódios com melhor qualidade. Aqui vos deixo com um teaser para esta bela homenagem ao maior argumentista argentino de todos os tempos.




sábado, 11 de maio de 2013

Toppi em destaque na revista Bang!



Já está disponível nas lojas FNAC de todo o país (pelo menos, esta manhã, já estava na FNAC de Guimarães...) o nº 14 da revista Bang!, a revista gratuita de informação sobre fantasia, terror e ficção científica editada pela Saída de Emergência. Uma revista que, tal como nos números anteriores, conta com um texto meu sobre Banda Desenhada. Neste número, o destaque vai para o fabuloso desenhador italiano Sergio Toppi, recentemente falecido. E, enquanto não coloco aqui o texto deste número (o que acontecerá nas próximas semanas), deixo-vos com um punhado de imagens demonstrativas do imenso talento de Toppi, que não couberam nas páginas da Bang!.





segunda-feira, 6 de maio de 2013

Homem de Ferro 3 no cinema


Depois do sucesso estrondoso do filme dos Vingadores, o Universo Marvel regressa ao cinema com o terceiro filme da série Homem de Ferro, que estreou em Portugal no passado dia 25 de Abril. Provável capítulo final da ligação de Robert Downey Jr com a personagem de Tonny Stark/Homem de Ferro (pois o contrato do actor previa apenas três filmes do Homem de Ferro e o filme dos Vingadores e desde então a cotação de Downey Jr subiu em flecha, tornando a sua contratação para novos filmes muito dispendiosa) este filme é também o primeiro da fase 2 do Universo Marvel no cinema. Um novo ciclo que prosseguirá com o segundo filme do Thor ainda este ano, seguindo-se o Capitão América 2 em 2014, para terminar com o segundo filme dos Vingadores em 2015. Curiosamente, para além das referências em alguns diálogos à invasão extraterrestre que motivou a criação dos Vingadores, e do aparecimento de Bruce Banner na cena final pós-créditos, os outros super-heróis da Marvel desta vez primam pela ausência, tal como também acontec e com Nick Fury e a S.H.I.E.L.D., com o filme a centrar-se no Homem de Ferro e, especialmente em Tonny Stark, o homem dentro da armadura, que entre ataques de pânico e a destruição da sua casa pelos terroristas do Mandarim, não tem vida nada fácil…

Com Shane Black a substituir John Favreau, que dirigiu os dois primeiros filmes, mantém-se o equilíbrio entre a acção, o drama e o humor, que Downey Jr traz à personagem, mas a principal alteração é mesmo a dimensão mais humana, com as personagens a sobreporem-se às cenas de acção, apesar de não faltarem cenas espectaculares, em que imperam os efeitos especiais, com destaque para o grande (talvez até demasiado grande) combate final, em que diversas versões da armadura do Homem de Ferro entram em acção.    

O argumento do filme, escrito por Drew Pierce e Shane Black tem como principal fonte de inspiração a mini-série “Extremis”, de Warren Ellis, publicada em Portugal no ano passado, na coleção Heróis Marvel, misturando de forma inteligente essa intriga com a personagem do Mandarim, um terrorista de ascendência asiática, que tem direito a um tratamento muito mais realista do que na BD, com Ben Kingsley a captar muito bem as diferentes nuances da personagem, responsável por um bem conseguido twist... Para os fãs da Marvel, este filme, pela forma como a história evolui quase autónoma em relação ao resto do universo Marvel, é natural que saiba a pouco, mas para quem como eu, gosta de ver Robert Downey Jr. a encarar uma personagem que lhe assenta como uma segunda pele, este é capaz de ser o mais conseguido capítulo da trilogia. É que Robert Downey Jr é Tony Stark e a sua interpretação, se não é definitiva, está lá próxima! Por isso, caso o actor não torne a vestir a pele de Strak no cinema, confesso que vou sentir muito a sua filme.

(“Homem de Ferro 3”, de Shane Black, com Robert Downey Jr., Gwyneth Paltrow, Ben Kingsley e Rebecca Hall. Paramount/Marvel Studios, 2013. Em exibição em Coimbra nos cinemas Zon /Lusomundo Dolce Vita e Fórum Coimbra)
Versão integral do texto publicado no Diário As Beiras de 04/05/2013