quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Editorias para a Colecção Heróis Marvel II - Parte 3: Demolidor Renascido


De todos os livros publicados nesta série II da colecção Heróis Marvel, este é o meu favorito. Não só é, para mim, a melhor história de sempre do Demolidor, como é dos melhores argumentos de Frank Miller, então no auge das suas capacidades. Por isso, além do editorial, fiz questão também de traduzir o livro. Mais uma vez, há pequenas diferenças entre o texto impresso e a versão que aqui publico. Além de ter suprimido o primeiro parágrafo, que me parece dispensável neste contexto, aproveitei para corrigir um erro, que me foi assinalado pelo André Azevedo, em relação à estreia de Frank Miller na Marvel e que já tinha sido cometido também por Julian M. Clemente no 1º volume da série 1.
De todos os criadores que trabalharam com o Demolidor, aquele que mais influenciou a evolução do herói foi Frank Miller. Depois de uma passagem memorável pela série, Miller regressou em 1986 para aquela que é muito justamente considerada como a melhor história de sempre do Demolidor. De Jerry Siegel a Jack Kirby, passando por Joe Schuster, Stan Lee, Gil Kane, Will Eisner ou Joe Kubert, os principais autores que inventaram, ou reinventaram as histórias de super-heróis têm um elemento em comum: a ascendência judia. Num excelente romance, As Espantosas Aventuras de Kavalier & Clay, o escritor Michael Chabon, também ele de ascendência judia, recria de forma ficcionada a Idade de Ouro dos comics americanos, acentuando a importância da cultura e da mitologia judaicas na criação dos primeiros super-heróis.

Ao contrário dos autores acima referidos, Frank Miller é de ascendência irlandesa e formação católica. Um aspecto que, dos títulos dos capítulos à própria história, passando pela iconografia religiosa, está muito presente em Renascido, história que publicamos neste volume e que assinalou o seu regresso em força ao Demolidor, personagem que ajudou a lançar o seu nome como um dos mais importantes autores de comics do século XX.
Nascido em 1957, Frank Miller estreou-se na Marvel em 1978, desenhando o nº 18 de John Carter Warlord of Mars para no ano seguinte se estrear como desenhador do Homem-Aranha, em histórias já publicadas no primeiro volume da primeira série desta colecção, e ainda em 1979, como desenhador das aventuras do Demolidor, antes de assumir no ano seguinte também o argumento da série que, quando Miller lhe pegou, estava prestes a ser cancelada por vendas muito baixas. Na sua primeira passagem de quase quatro anos pela série Daredevil, entre os #158 e 191, Miller revolucionou completamente a série, juntando-lhe elementos do policial negro e dos filmes orientais, numa mistura tão inesperada como eficaz, servida por uma planificação revolucionária e pelo uso da narração em off, que muitos imitaram, mas poucos superaram. Para além da criação de personagens originais inesquecíveis, como a ninja Elektra, Miller pegou no Rei do Crime, um vilão secundário nas histórias do Homem-Aranha, transformando-o no todo-poderoso Senhor do Crime de Nova Iorque.

É precisamente Wilson Fisk, o Rei do Crime, o motor que faz avançar a intriga da história que vão poder ler em seguida. Ao descobrir a identidade secreta do Demolidor, Fisk vai destruir-lhe carreira, finanças, casa, credibilidade e sanidade, arrastando Murdock para um calvário que deveria culminar com a sua morte, mas do qual ele emerge como um novo homem, um homem renascido, espiritualmente mais forte e desprendido das coisas supérfluas da vida. Essa aplicação da máxima de Nietzche de que “o que não nos mata, torna-nos mais fortes” vai tornar-se recorrente na obra de Miller, que vai impor o mesmo tratamento a Elektra, ao Batman em O Regresso do Cavaleiro das Trevas e Ano Um, e a alguns habitantes de Sin City, como Dwight ou Hartigan, mas em nenhum dos casos com a profundidade com que é feito nesta história. Uma história desenhada por David Mazzucchelli, na época o desenhador regular da série, que acabou por desenhar a história porque Miller estava muito ocupado com os desenhos de O Regresso do Cavaleiro das Trevas, a crepuscular saga de Batman que revolucionou a personagem. Mas se a participação de Mazzucchelli foi consequência da falta de tempo de Miller, o seu contributo foi absolutamente fundamental, sendo o produto final o resultado de um estreito processo de colaboração em que as fronteiras habituais entre desenhador e argumentista se esbateram, como reflecte a ficha técnica, ao não distinguir entre desenhador e argumentista, com Mazzucchelli a contribuir de forma decisiva para a evolução da história, que cresceu de forma quase orgânica, fruto das constantes trocas de ideias entre os dois autores. Por exemplo, a personagem de Maggie, a freira que o leitor descobre ser a mãe que Matt julgava morta, não estava prevista no argumento inicial, resultando de uma epifania de Miller, durante uma conversa com o desenhador. Mazzucchelli é também responsável pela importância da iconografia cristã ao longo da história, desde o recriar da Pietá de Miguel Ângelo, na cena em que Maggie segura Matt moribundo no colo, na penúltima página do 3º capítulo, dando ao leitor a confirmação de que Maggie é realmente a mãe de Matt Murdock, passando ao repetido uso da composição triangular, típica da pintura renascentista, com olhar do leitor a ser conduzido para o vértice do triângulo, onde está um cruxifixo, ou pela página de título do capítulo 4, em que a cama onde jaz Matt e a parede encimada por um crucifixo, formam uma cruz, até à profusão de símbolos religiosos, de crucifixos a campanários de igrejas, ao longo do livro.
Mas as influências estéticas de Mazzucchelli ao longo deste livro, em que é visível a rápida evolução do seu traço, de um realismo influenciado por Miller, para um traço mais solto, próximo do expressionismo, não se ficam pela pintura religiosa. Veja-se a óbvia homenagem a O Grito, de Eduard Munch, na notável sequência em que Urich ouve pelo telefone o tenente Manolis a ser estrangulado, acentuado pelo trabalho de cores de Max Schelle.
Embora à superfície seja uma história de super-heróis, Renascido, mais do que uma aventura do Demolidor é antes de mais uma história de Matt Murdock. Um relato kafkiano da lenta queda de um homem no abismo, uma história policial sobre a corrupção na grande cidade e uma obra coral, narrada sob três pontos de vista diferentes (o de Matt Murdock, o de Wilson Fisk e o do jornalista Ben Urich) que se completam, numa narrativa estética e literariamente poderosa. E, embora Matt Murdock passe a maior parte do tempo sem uniforme, não deixa de ser uma história de super-heróis, em que Miller ainda consegue introduzir o Capitão América e os Vingadores no final da história, graças à personagem Nuke, que mostra como os políticos e os militares conseguiram perverter o sonho americano de que o Capitão América é o símbolo vivo. >br> A completar este volume, temos a história E o Nevoeiro sussurrou… morte, escrita por Dennis O’Neil (com a participação de Miller, que tem direito a agradecimentos especiais na ficha técnica) e ilustrada por Mazzucchelli, publicada originalmente em Daredevil #220 (USA 1985). Embora cronologicamente seja anterior à saga Renascido, optou-se por apresentá-la no fim do livro para não retirar o natural e merecido destaque à história principal que assinalou o efectivo regresso de Frank Miller ao Demolidor.
A escolha de Nevoeiro de entre dezenas de histórias do Demolidor ilustradas por Mazzucchelli, fez-se por dois motivos. Antes de mais, porque é uma excelente história, que o próprio desenhador considera como um dos seus melhores trabalhos e a primeira história em que o seu traço se libertou dos pormenores e assentou no uso das sombras para criar ambientes, com o nevoeiro que invade Nova Iorque a assumir-se como uma personagem de corpo inteiro. O outro motivo foi porque o suicídio nessa história de Heather, a antiga namorada do Demolidor, vem contribuir para o estado depressivo de Matt Murdock, ao mesmo tempo que abre caminho para o regresso de Karen Page, antiga secretária e primeira namorada de Matt Murdock, à série. Karen que, como veremos, vai desempenhar um papel fundamental na trama de Renascido.

1 comentário:

Anónimo disse...

ainda só li o do dr. estranho.