sábado, 8 de outubro de 2011

A Republica revisitada

Em termos de exposições, um dos pontos altos da edição de 2010 do Festival de Banda Desenhada da Amadora, foi a mostra dedicada ao livro “É de noite que faço as Perguntas”, projecto inserido nas comemorações do Centenário da República, em que David Soares coordena um grupo de cinco desenhadores, numa viagem plena de simbolismo pelos anos da primeira república. Precisamente um ano depois do inicialmente previsto, eis que o livro chega finalmente às livrarias, numa aposta corajosa (depois da overdose de edições sobre a República em 2010 e inícios de 2011, será que ainda há espaço nas livrarias para mais um livro sobre a República…) da Saída de Emergência, editora que assim se estreia finalmente na BD.
Embora actualmente se dedique mais ao romance do que à Banda Desenhada, David Soares tem trabalho feito (e muito bem feito) na BD, como argumentista e como autor completo, pelo que o convite da Amadora para escrever este livro, fez todo o sentido. A história, cuja acção decorre em Lisboa, em meados do século XX, sob um regime autocrático indefinido, mas cujas semelhanças com o Estado Novo salazarista são mais do que pura coincidência, parte das memórias da primeira república que um pai lega ao filho, numa carta que nunca chegará a enviar.
Se as sequências, inicial e final, são ilustradas por Richard Câmara num estilo quase esboçado, em contrate com o estilo realista dos restantes desenhadores, os diferentes episódios narrados pelo pai, são ilustrados cada um por diferentes desenhadores.
Assim, Jorge Coelho ilustra o período antecedente à implantação da República, desde o ultimato inglês de 1890 até ao assassinato do Rei D. Carlos, João Maio Pinto fica com o período da República, André Coelho com a 1ª Guerra Mundial e Daniel da Silva com o episódio final, em que os ideais da república dão lugar à realidade sombria do regime salazarista.
Embora nem todas as referências sejam facilmente perceptíveis para quem não conheça bem a história do período em causa (nesse aspecto, uma cronologia e umas notas de enquadramento no final do livro seriam de grande utilidade), a história está muito bem construída e revela o rigor da pesquisa habitual em David Soares, que soube muito bem escolher os seus colaboradores. Há sequências especialmente bem conseguidas, em que os autores jogam na perfeição com a repetição de alguns motivos, como o bacio com a forma de John Bull no episódio inicial, desenhado por Jorge Coelho, ou o eléctrico (que não por acaso, está na capa do livro) no episódio final, desenhado por Daniel da Silva.
Um excelente álbum, pelo qual valeu bem a pena esperar um ano e que, para além de confirmar o talento de David Soares, Richard Câmara, Jorge Coelho e João Maio Pinto, dá a descobrir dois desenhadores muito promissores, como André Coelho e (especialmente) Daniel da Silva.
(“É de noite que faço as Perguntas”, de David Soares e vários desenhadores, Saída de Emergência, 64 pags, 18,00 €)
Versão integral do texto publicado no Diário As Beiras de 8/10/2011

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