segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Regresso ao Armazém Central

Aos poucos, as edições Asa começam a retomar a publicação de algumas séries que pareciam ter ficado pelo caminho. A última a ter essa sorte, foi “Armazém Central”, de Loisel e Tripp, de que acaba de sair o terceiro volume. A série, que Loisel, numa entrevista, define como “uma comédia à Frank Cappra (…) com um ambiente próximo das pinturas de Norman Rockwell”, passa-se em Notre-Dame-des-Lacs, uma aldeia perdida no Quebeque dos anos 20 do século XX, cujo dia-a-dia vai ser alterado quando a jovem viúva Marie Ducharme decide tomar conta sozinha do Armazém Central que era do seu falecido marido.
Curiosamente, a série acabou por ser mais notícia em França pelo facto de Loisel e Tripp trabalharem o desenho a meias, com Loisel a encarregar-se do desenho a lápis e Tripp a passar a tinta. Algo perfeitamente vulgar nos comics das grandes editoras americanas, onde o mais habitual é haver uma clara separação de tarefas, com um argumentista, um desenhador para o lápis e outro para a arte-final (passagem a tinta), um colorista e um responsável pela legendagem, muitas vezes com cada um numa cidade diferente, cabendo ao editor coordenar toda essa gente, mas que para a BD franco-belga é suficientemente exótico para justificar o destaque que a editora dá ao facto, incluindo duas páginas no início do álbum em que se explica o peculiar (para os franceses) método de trabalho.
Na origem desta colaboração em moldes poucos habituais para a BD franco-belga, está o facto dos dois autores partilharem o mesmo Atelier em Montreal, no Canadá, o que lhes permitiu descobrir que eram complementares, ou nas palavras de Tripp, que “um desenhador virtual, que fosse uma mistura dos dois, desenharia com muito mais prazer, sem esforço”. Com efeito, Loisel adora o desenho a lápis e aborrece-se mortalmente na fase de passar a tinta, enquanto que Tripp é exactamente ao contrário e, ao conseguirem que cada um faça apenas aquilo que mais gosta, conseguem produzir a um ritmo nada habitual no mercado francês, de tal modo que em pouco mais de três anos já são cinco os álbuns publicados nesta série, inicialmente pensada como uma trilogia e que, até ver, irá ter pelo menos seis álbuns…
Se em termos de ambiente a coisa funciona muito bem, com os autores a traçarem um conseguido retrato nostálgico da vida no campo nessa época, a verdade é que o ritmo narrativo é contemplativo e bastante lento, apesar das coisas aquecerem um pouco neste 3º volume, com os homens a regressarem à aldeia e a reagirem mal à presença de Serge Brouilet, um estrangeiro vindo de Montreal que abriu um restaurante nas traseiras do Armazém Central. E se a tensão que este novo elemento introduz na relação de Marie com o resto da aldeia, está muito bem explorada, sequências como a do aniversário de Gaetan, o típico tolo da aldeia, em nada contribuem para o avançar da história, nem funcionam tão bem como as brincadeiras entre um cachorro, um gatito e um pato que decorrem em segundo plano, em paralelo à acção principal.
(“Armazém Central 3: Os Homens, de Loisel e Tripp, Edições Asa, pags, 15,50 €)
Versão integral do texto publicado no Diário As Beiras de 19/02/2011
Nota- Como a partir deste texto, a versão integral dos meus artigos passou também a estar disponível no site do Diário As Beiras no mesmo dia em que sai no jornal, optei por disponibilizá-lo desde já também aqui. Os textos anteriores que já sairam em papel e ainda não estão neste blog (estou quase com um mês de atraso nesse campo) irão sendo disponibilizados rapidamente.

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