segunda-feira, 22 de novembro de 2010

The Walking Dead


Apesar da febre dos vampiros provocada pela série Twilight e que até chegou às televisões nacionais, dando origem a telenovelas juvenis com vampiros (!?) os zombies são outra criatura fantástica que também tem conhecido um certo ressurgimento público recente, visível em filmes como "Zombieland" e em livros como "Pride and Predjudice and Zombies", em que Seth Grahame-Smith pega no texto clássico de Jane Austen e acrescenta-lhe zombies e cenas gore. Mas é na Banda Desenhada (BD) que o regresso dos zombies se mais tem feito notar, através de séries como "Marvel Zombies", "Victorian Undead" (em que Sherlock Holmes enfrenta zombies na Londres vitoriana), "Z.M.D., Zombies of Mass Destruction" e a mais recente "I, Zombie", da Vertigo, o ramo adulto da DC Comics, que albergou títulos como o Sandman, de Neil Gaiman.

Mas a mais interessante série de zombies em BD e a que maior sucesso tem conhecido ao longo dos últimos anos é, sem dúvida "The Walking Dead", de Robert Kirkman, Tonny Moore e Charles Adlard. Publicada mensalmente pela editora Image desde 2003, Walking Dead tem quase 80 números publicados, a maioria já reunidos nos 12 trade paperbacks (volumes encadernados que recolhem 6 números cada) actualmente disponíveis. Escrita por Robert Kirkman, argumentista responsável por séries como "The Battle Pope", "Invincible" e "Astounding Wolf-Man", "The Walking Dead" é uma série a preto e branco, com desenhos de Tonny Moore nos 6 primeiros números e a partir do nº 7, do inglês Charlie Adlard, com Clif Rathburn a assegurar as tramas e os cinzentos, para além das cores das capas.
O protagonista da série é Rick Grimes, um polícia de uma cidadezinha do Kentucky que, depois de ter sido baleado, entra em coma, despertando algum tempo depois numa cama de hospital, para descobrir que foi abandonado à sua sorte, num hospital pejado de zombies famintos. O ponto de vista do leitor é o mesmo de Rick, que nunca chega a saber o que motivou o aparecimento dos zombies, ou até que ponto se trata de um problema que afecta apenas os Estados Unidos, ou se se trata de uma pandemia a nível mundial.

Depois de vaguear pela cidade infestada de zombies, Rick encontra Glenn, um jovem batedor ao serviço de um grupo de sobreviventes, onde estão a mulher e o filho de Rick, que tinham abandonado a cidade para irem para Atlanta, local recomendado como seguro pelas autoridades, numa fase inicial da epidemia, em que se pensava que a mesma podia ser contida.
A dinâmica desse grupo de sobreviventes, e a forma como a personalidade dos seus membros vai evoluindo face a uma realidade hostil e dramática, acaba por ser o fulcro da série, que pega num grupo de pessoas normais sujeitas a circunstâncias excepcionais e analisa as suas reacções num mundo em que confortos como a televisão, telemóveis, ou Internet são apenas recordações. Ou seja, na prática, The Walking Dead (TWD) começa no momento em que os filmes de zombies costumam terminar, mas é esse mesmo o objectivo de Kirkman, que declarou numa entrevista: “Para mim, a pior parte dos filmes de zombies é o fim. Sempre quis saber o que acontece a seguir. Mesmo quando todas as personagens morrem no fim… gostava que o filme continuasse. (…) A ideia em Walking Dead é continuar a acompanhar as personagens, neste caso, Rick Grimes, enquanto for humanamente possível. Quero que The Walking Dead seja a crónica de vários anos da vida de Rick. NUNCA nos questionaremos sobre o aconteceu a Rick a seguir, pois vamos assistir a esses acontecimentos. The Walking Dead vai ser o filme de zombies que não tem fim. Bem… pelo menos, não nos tempos mais próximos.”

Apesar da constante presença ameaçadora dos zombies (que nunca são tratados por esse nome ao longo da série), que provocam várias baixas no grupo, a que se vão juntando novas personagens que vão encontrando pelo caminho, a maior ameaça acaba sempre por vir do próprio homem, disposto a tudo para sobreviver e liberto de quaisquer restrições legais e morais. O próprio Rick que, como polícia, é alguém habituado a respeitar e a fazer cumprir a lei, acaba por fazer coisas que vão contra tudo o que acreditava, quando está em causa a sobrevivência dos que lhe são próximos.
Série de grande violência, que nunca é gratuita, mesmo que por vezes ultrapasse quase os limites do suportável, TWD alterna as cenas de acção, com os momentos mais introspectivos, alternâncias de ritmo estudadas por Kirkman de forma a aumentar o impacto das sequências de maior dramatismo. O leitor de TWD já sabe que a calma precede sempre a tempestade e que, com a excepção de Rick, qualquer um dos outros personagens pode morrer na página seguinte.

Ao longo dos sete anos que a série já leva de publicação, o grupo de sobreviventes viu morrer muitos dos seus membros e ganhou outros, como Michone, uma negra que maneja uma espada samurai com perícia mortal e que rapidamente se tornou das mais carismáticas personagens da série. Além disso, no seu deambular pelas estradas da América, em busca de um lugar seguro onde viver em paz, sucedem-se os encontros com outros sobreviventes, que por vezes se revelam um perigo bem maior do que os próprios zombies. Sem nunca conseguir encontrar uma “terra prometida” onde possa viver em paz, o grupo de sobreviventes parece condenado a errar eternamente numa América devastada, o que deixa a dúvida se o título da série, “The Walking Dead”, se refere aos zombies, ou ao grupo de sobreviventes liderados por Rick Grimes.

O sucesso crescente da série que, ano após ano, continua a ganhar novos leitores e a esgotar sucessivas reedições, despertou o interesse de Hollywood e TWD tornou-se também uma série de televisão, produzida pela AMC, canal responsável pela premiada série Mad Men. Depois de ter anunciado a produção de um episódio piloto, escrito e dirigido pelo realizador Frank Darabont, responsável por filmes como The Shawshank Redemption, ou The Green Mile, o Estúdio decidiu avançar para uma primeira série de seis episódios, que tem tido excelentes audiências, confirmando as grandes expectativas que a AMC tem para a série. Expectativas partilhadas pela Fox, que adquiriu os direitos de distribuição fora dos EUA e que começou a exibir a série a nível mundial, dois dias apenas após a estreia nos EUA, estando a passar também no cabo em Portugal, no canal principal da Fox.
Kirkman, que é produtor executivo da série da AMC, prometeu uma série televisiva “110% fiel à BD em termos de espírito e ambiente”, mas que nunca será uma transposição, quadrado a quadrado da Banda Desenhada. E os episódios já exibidos até agora (o 4º episódio, escrito por Kirkman, passou ontem nos EUA e vai ser emitido pela Fox em Portugal na terça-feira, 23 de Novembro) mostram que Kirkman tem razão. Para além de algumas alterações menores em termos da sequência dos acontecimentos, surgem personagens novas, como Merle (que aparece na última imagem deste post) e Daryl, os dois irmãos “redneck”, que estão assumir grande destaque. Alternando uma boa caracterização psicológica das personagens, servidas por bons actores (o inglês Andrew Lincoln, que faz de Rick Grimes, é excelente), com muita acção e excelentes efeitos especiais a cargo de Greg Nicotero, a série está a ser um grande sucesso tanto de crítica, como de audiências, estando já assegurada uma segunda temporada, desta vez, de 13 episódios.

Quanto a Robert Kirkman, apesar do seu grande envolvimento na série, como produtor executivo e argumentista, soube resistir ao “canto de sereia” de Hollywood, continuando a ter na Banda Desenhada a sua grande prioridade, para felicidade dos milhões de leitores em todo o mundo, incluindo Portugal, onde a Devir acabou de lançar o primeiro volume, que seguem religiosamente The Walking Dead, tanto na BD, como agora, na TV.
Este texto tem por base os artigos publicados no nº 8 da revista "Bang" e no "Diário As Beiras" de 30/10/2010, com uma actualização a propósito da série de televisão.

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