sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Sin City: Valores Familiares


Cinco anos depois de, aproveitando a estreia do filme de Robert Rodriguez e Frank Miller, ter editado "A Grande Matança" e "Aquele Sacana Amarelo", a Devir volta a lançar em português mais um volume da série "Sin City", prosseguindo com a divulgação em Portugal da seminal criação de Frank Miller.
Série revolucionária, pela forma como recupera um género considerado acabado (o policial negro) e o reinventa em violentas histórias de crime e castigo, desenhadas num espectacular preto e branco, altamente contrastado, Sin City tem conciliado o estatuto de obra de culto com um grande sucesso comercial, como de resto aconteceu em Portugal.
Estreada no nº 51 da revista Dark Horse Presents, a série Sin City assinalava um estrondoso e inesperado regresso de Frank Miller à prancheta de desenhador, que pôs fim a um hiato de dois anos (desde Elektra Lives Again), em que o criador de Elektra se dedicou a uma decepcionante experiência em Hollywood, onde colaborou nos argumentos dos filmes Robocop II e III. Assegurando todo o processo criativo, desde o argumento e desenhos até à legendagem (ao contrário do que acontecia em Hollywood, onde era apenas mais uma peça da engrenagem), Miller criou com Sin City uma série policial extremamente violenta e inovadora no uso contrastante do preto e branco e na diluição do conceito de herói tradicional, que aqui cede o protagonismo à própria cidade, contribuindo para um novo fôlego dos comics policiais, há muito esquecidos num mercado atulhado de super-heróis.
Estilização talvez seja o adjectivo que melhor defina o seu trabalho em Sin City, pois, sem nunca pretender fazer uma história realista, Miller procurou através de uma enorme economia de meios que tudo parecesse o mais atraente possível. Nas suas palavras: “queria que os carros fossem vintage, as mulheres fossem belas e as gabardines compridas. Se olharmos para um comic desenhado por Johnny Craig ou Wallace Wood [dois desenhadores da E. C. Comics] vemos que eles conseguiam dar "glamour" a todo e qualquer assunto. Eu quero que Sin City seja agradável de desenhar e consequentemente, agradável de ver, até porque eu sabia que estava a lidar com um material extremamente duro”.
Valores Familiares”, o novo volume, que a Devir agora é edita, é o quinto da série “e tem a particularidade de ser um longo “one shot” de 126 páginas que se lêem de um só fôlego, e mostram um Miller ao seu melhor nível. Uma história de vingança planejada (e contada) com a precisão de um mecanismo de relojoaria, que lida com o conceito de família de uma forma pouco tradicional. Neste caso, as famílias que dão nome a esta história de valores familiares, em que um velho mafioso não hesita em entrar em guerra com o Boss Wallenquist (personagem que domina o submundo de Sin City,) para vingar a filha morta, são a Máfia e um casal de prostitutas lésbicas. E para além de uma história muitíssimo bem contada, com um judicioso recurso a flash-backs, e planificada de forma quase perfeita, há ainda o puro prazer de ver Miho - uma japonesa que Miller classifica como «o sonho de qualquer artista, pois é extremamente divertida de desenhar e enche as páginas de energia» - em acção e apreciar o belo cadillac cor de cereja que Dwight ganhará como recompensa do seu trabalho.
Graficamente, aqueles que pensavam que já nada havia para inventar em Sin City vão ficar surpreendidos com os efeitos da neve das páginas 37 a 41, ou com a imagem expresssionista das páginas 123 e 124, em que Dwight descreve a vingança das prostitutas apelando à imaginação do leitor e conseguindo, assim, um efeito de horror muito mais eficaz do que através de uma mera representação gráfica.
Um regresso que se saúda, numa boa edição, bem traduzida, mas que podia ter sido melhor revista. Que venham rapidamente os volumes que faltam!
(“Sin City: Valores Familiares”, de Frank Miller, Devir, 128 pags, 11,99 €)
Versão integral do texto publicado no Diário As Beiras de 2/10/2010

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Spirou: A Invasão dos Zorcons


Editado em Portugal no mesmo dia em que saiu em França (pelo menos nas lojas FNAC, pois ao resto do mercado livreiro só vai chegar em inícios de Outubro…), “A Invasão dos Zorkons” traz de volta Spirou e Fantasio, numa história assinada pela dupla Yoann e Vehlman que, depois de “Os Gigantes Petrificados”, o primeiro álbum da série especial (que em Portugal foi publicado em 2007, numa colecção distribuída com o jornal “Público”) voltam a trabalhar com a icónica personagem criada por Rob-Vel para a editora Dupuis.

Escolhidos para suceder à dupla Morvan e Munuera, que tentou uma (mal sucedida, pelo menos comercialmente) aproximação à Banda Desenhada japonesa, o argumentista Fabien Vehlmann e o desenhador Yoann optaram por uma abordagem mais clássica do que a usada em “Os Gigantes Petrificados”, que usa a fase (incontornável) de Franquin como ponto de partida, em especial os álbuns “Z de Zorglub”, “O Ninho de Marsupilamis” e “O Dinossauro Congelado”. Assim, nesta história que se passa na região de Champignac, em quarentena, temos a participação das principais personagens criadas por Franquin (com excepção de Gaston e do Marsupilami), como Zorglub, o Conde de Champignac e as figuras típicas da terra, do bêbado ao palavroso Presidente da Câmara. O resultado final, não sendo deslumbrante, é de uma grande eficácia, tanto narrativa como gráfica. Vehlman constrói uma história movimentada que se lê com prazer, enquanto que Yoann imagina o que seria o Spirou de Franquin na época da série “Ideias Negras” e cria o seu novo estilo a partir de aí.

A série paralela mostrou, através de álbuns como o notável “Le Journal d’un Ingenú”, de Emile Bravo, que a personagem “Spirou”, desde que bem explorada, ainda tem muito para dar, pelo que seria interessante ver, em paralelo com a série clássica, um álbum de Spirou desenhado por Yoann em cores directas. As magníficas ilustrações com o Spirou, como a que aqui reproduzo, que estão no site do autor não deixam quaisquer dúvidas a esse respeito!
(“Spirou” 51. A Invasão dos Zorkons”, de Yoann e Vehlmann, Edições Asa, 48 pags, 12,90 €)
Texto originalmente publicado no "Diário As Beiras" de 25/09/2010

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Schuiten e Peeters -Outubro em Portugal



Este mês de Outubro, Schuiten e Peeters, a dupla por detrás da série "As Cidades Obscuras" vai estar presente em força no nosso país. Depois de na última quarta-feira, 13 de Outubro, terem apresentado uma conferência na Central Tejo, no magnífico espaço do Museu da Electricidade (cuja arquitectura não destoaria da Cidade Obscura de Mylos) no âmbito do Congresso de arquitectura "Once Upon a Place: Haunted Houses and imaginary Cities", a dupla regressa a Portugal no fim de semana de 23 e 24 de Outubro, para o Festival de Amadora, onde estará patente uma exposição dedicada ao álbum "A teoria do Grão de Areia", concebida pelos próprios e com cenografia e execução de Yves Marechal e Dominique Briand, da firma Bleu Lumière.
Da exposição, falarei quando a vir, mas a muito concorrida conferência, foi um êxito junto de um público constituído essencialmente por arquitectos (do meio da BD, apenas por lá vi João P. Boléo, Nelson Dona - que colaborou na organização da conferência - Maria José Pereira - a editora de Schuiten em Portugal - e Rui Zink.
Convém ainda referir que esta foi a terceira vez que Schuiten e Peeters apresentam uma das suas conferências-espectáculo no nosso país. A primeira,teve lugar em Outubro de 1997 no Mercado Ferreira Borges, no âmbito do 9º Salão Internacional de BD do Porto, dedicada à vida e obra inventor e cientista Axel Wappendorf. A seguinte e a mais atribulada, teve lugar em Coimbra, um mês depois, no Auditório do Museu da Física da Universidade de Coimbra, no âmbito de um simpósio internacional sobre a série "As Cidades Obscuras" e os estranhos acontecimentos que a perturbaram, já foram suficientemente dissecados no livro "As Cidades Visíveis".

Quase 13 anos depois, seguiu-se, finalmente, a conferência do passado dia 13, intitulada "L'Aventure des Images". A conferência, que fez um percurso da dupla, desde a BD, às exposições e projectos multimédia, passando pela recuperação e dinamização da Maison Autrique, teve a particularidade de apresentar Schuiten a desenhar ao vivo, enquanto falava, num interessante diálogo com os seus trabalhos impressos, projectados noutro ecrã.
Aqui ficam as imagens possíveis (foram tiradas com um telemóvel) do concorrido evento, que terminou com os arquitectos a portarem-se exactamente como os fãs da BD, não deixando sair Schuiten e Peeters sem darem uma sessão de autógrafos...













sábado, 9 de outubro de 2010

Quartier Lointain, de Taniguchi, chega ao cinema


O mais europeu dos autores de mangá japoneses, Jiro Taniguchi tem praticamente a totalidade da sua obra editada em França e já trabalhou com Moebius e Morvan. Daí que não seja de estranhar que a primeira adaptação de uma obra sua ao cinema aconteça na Europa e não no Japão. O realizador belga Sam Garbarski adaptou o magnífico "Quartier Lontain" ao cinema, numa co-produção franco-belga-alemã que estreou este ano em Cannes e chega às salas de cinema francesas a 24 de Novembro. Embora transponha a acção do livro do Japão para a Europa, diz quem já viu que o filme é bastante fiel ao espírito da obra de Taniguchi, que tem uma pequena participação, tal como Frank Pé, o desenhador de "Brousaille" e "Zoo", que é o autor dos desenhos que aparecem ao longo do filme.
Conhecendo a pouca atenção dada pela distribuição nacional ao cinema europeu, é provável que este filme só chegue a Portugal através da Festa do Cinema Francês, que este ano, no que à BD diz respeito, vai contar com "Gainsbourg, Vie Heroique" de Joann Sfar e com a adaptação cinematográfica do "Petit Nicolas", de Goscinny e Sempé. Até lá, aqui fica o trailer:

Quartier lointain - Bande annonce FR

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Corto Maltese: Mu, A Cidade Perdida


Actual detentora dos direitos de publicação da série “Corto Maltese” para Portugal, a Asa iniciou a publicação da série com aquela que é a última aventura do marinheiro criado por Hugo Pratt, o álbum “MU”, que depois de uma edição em capa dura exclusiva da FNAC, chega ao restante mercado livreiro na edição em capa mole.
Publicada originalmente em Portugal, em 2004, numa edição a preto e branco em três volumes, distribuída com o jornal “Público”, “Mu” traz Corto de regresso ao Oceano Pacífico de cujas águas surgiu pela primeira vez em “A Balada do Mar Salgado”, numa aventura em que regressam vários personagens emblemáticos da série, como Boca Dourada, Tristan Bantan, o professor Steiner, Levi Colombia, Soledad Lokaarth e o índio Jesus-Maria, para além do inevitável Rasputine.
Se o cenário e as personagens nos remetem para os primeiros álbuns da série, de “A Balada do Mar Salgado” a “Sob o Signo do Capricórnio”, é nítida uma evolução no comportamento de Corto e no traço de Pratt, longe do virtuosismo de outros tempos e com uma rigidez que a cor lá vai de algum modo disfarçando. Depois de na aventura anterior, “As Helvéticas”, Corto ter passado a história toda a dormir num quarto na Suiça, onde já tinha estado Herman Hesse, não passando a aventura de um sonho, em “Mu”, Pratt regressa à aventura em locais exóticos, mas a fronteira entre o sonho e a realidade continua difusa e tanto Corto como Rasputine passam grande parte da história a dormir e/ou a sonhar…
Os grandes temas da obra de Pratt estão cá todos, mas a acção já não flui da mesma maneira, tal como os diálogos, não obstante uma excelente sequência inicial . Ou seja, Pratt tenta voltar ao passado, mas apesar das piscadelas de olho à sua própria obra, desde o encontro com o Monge, que não é o da “Balada do Mar Salgado”, às borboletas que Corto segue, que podiam ser as de “A Macumba do Gringo”, ou de “Corto Maltese na Sibéria”, este Corto Maltese já não tem, quanto a mim, o charme dos velhos tempos, parecendo mais uma obra de um imitador esforçado, do que do próprio Pratt.
Mas, mesmo não sendo “vintage” Pratt, muito longe disso, este não deixa de ser um trabalho importante na obra do mestre veneziano, que convoca a maioria das personagens da série para esta última aventura de Corto Maltese, bem servido por uma excelente edição, que tem, como (grande) senão, o preço escandalosamente alto para a realidade portuguesa.
(“Corto Maltese: MU, a Cidade Perdida”, de Hugo Pratt, Edições Asa, 200 pags, 30,79 €)
Versão integral do texto publicado no Diário As Beiras de 16/09/2010