terça-feira, 21 de setembro de 2010

Happy Sex, de Zep


Depois de ter publicado em português quatro álbuns da série “Titeuf”, a Asa dá a descobrir uma faceta mais adulta de Zep, o seu criador, com "Happy Sex", um álbum de histórias de uma a duas páginas, com o sexo como tema central, um pouco na linha do que o autor já tinha feito com a música rock e pop no álbum “O Inferno dos Concertos”, mas desta vez com um tema muito mais abrangente e universal.
Nascido Philippe Chappuis em 1967, Zep escolheu o seu nome artístico a partir do grupo Led Zeppelin e iniciou-se na BD em 1985 na revista “Spirou”, depois de ter frequentado a Escola de Artes Decorativas de Genebra. Zep é conhecido sobretudo como o criador de "Titeuf", a popular série infantil que, em 10 anos e 9 álbuns, passou da mera promessa para um sucesso espectacular, sustentado pela popularidade de Titeuf junto do público infantil, que naturalmente foi reforçada com a série de animação inspirada na BD, que já passou na RTP. Mas, por mais que a televisão “puxe” pela série, só isso não chega para explicar uma tiragem de um milhão e quinhentos mil exemplares, rapidamente esgotados, tal como a 2ª edição de 100 mil, alcançada por “La Loi du Préau”, o 9º álbum da série.
Daí que se possa pensar que a principal razão para o fenómeno “Titeuf” resida na capacidade de Zep de captar de forma hilariante o mundo infantil, conseguindo chegar da mesma forma aos leitores de 8 a 12 anos, como Titeuf e ao público adulto, que ainda não perdeu o sentido de humor, abordando com grande humor e sensibilidade, temas como a deficiência, o racismo, o desemprego, ou o sexo.
Neste álbum, destinado a um público (naturalmente) mais adulto do que os leitores habituais de Titeuf, o sexo volta a estar bem presente, mas aqui, as personagens, em vez de imaginarem como será, como acontecia com Titeuf e os seus colegas, praticam-no sem grandes tabús. Ou seja, pegando no título de um álbum especial de Titeuf, que a Asa também editou em Portugal, em vez de um "Guia Sexual da Malta Nova", temos um guia sexual para adultos heterossexuais com sentido de humor.
Apesar do conteúdo muito explícito, o grafismo caricatural e delicado de Zep, permite tratar de forma divertida e que não choca, situações que retratadas num estilo mais realista, seriam bastante mais difíceis de aceitar. Muito mais do que excitar o leitor, Zep quer diverti-lo e "Happy Sex" (que devia chamar-se antes "Funny Sex", pois muitas das situações descritas não têm nada de alegre para os protagonistas e é precisamente aí que reside a piada) consegue-o plenamente e de forma brilhante!
(“Happy Sex”, de Zep, Edições Asa, 64 pags, 17,11 €)
Versão integral do texto publicado no "Diário As Beiras" de 11/09/2010

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Os Meninos Kin-Der


Já está disponível nas livrarias a última aventura editorial de Manuel Caldas, que nos dá a descobrir numa excelente edição, um clássico da Banda Desenhada, publicado nos jornais americanos em 1906, portanto contemporâneo do “Little Nemo” de Winsor McKay, mas muito menos conhecido do que este. Esse clássico esquecido, que Manuel Caldas publica em muito grande formato (33 cm por 44,5 cm), numa edição restaurada com o rigor a que já nos habituou, é “The Kin-Der Kids ”, a mítica série que marcou a breve ligação do pintor Lyonel Feininger com a BD.
Filho de dois músicos profissionais, Feininger nasceu em Nova Iorque em 1871, mas viveu a maioria da sua vida na Europa, tendo ido para Berlim em 1886, inicialmente para estudar música, mas acabando por se inscrever antes na Academia de Arte de Berlim, onde iniciou uma formação, prosseguida em Paris, que o ajudaria a tornar-se um nome grande da pintura, com incursões pelo expressionismo e pelo cubismo. Um dos primeiros professores da Bauhaus, a célebre escola artística criada por Walter Gropius em 1919, Feininger manteve-se na Europa até 1937, altura em que, face à proximidade da II Guerra Mundial, decidiu regressar aos EUA, mas foi durante a sua estadia na Europa que o breve “flirt” deste pintor com a BD se concretizou, com “The Kin-Der Kids” e “Wee Willie Winkie’s World”, duas séries que durariam apenas alguns meses, entre 1906 e 1907.
A edição organizada por Manuel Caldas, conta com uma excelente introdução de Ruben Varillas, que faz o enquadramento do trabalho de Feininger na arte do seu tempo, para além de trazer uma amostra de “Wee Willie Winkie’s World”, a outra série de Lyonel Feininger que, ao contrário dos “Meninos Kin-Der”, não é reproduzida na íntegra. O facto de ter Feininger, ao que consta por divergências com o seu editor, o jornal “Chicago Tribune”, ter interrompido as duas séries a meio, apenas nos permite ter uma ideia do que poderia vir a sua actividade como autor de BD. O que é evidente é a forma como a BD que faz reflecte a sua formação artística e as suas inquietações estéticas, numa época em que, tal como sucedeu em Portugal com os modernistas, como Almada Negreiros, Cottinelli Telmo e Carlos Botelho, os caminhos da BD e da pintura se cruzavam com grande frequência.
(“Os Meninos Kin-Der”, de Lyonel Feininger, LiBri Impressi, 40 pags, 22 €)
Texto originalmente publicado no Diário As Beiras de 11/09/2010

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A Teoria do Grão de Areia, Vol 2


Já está nas livrarias a segunda, e última parte de “A Teoria do Grão de Areia”, o mais recente título da série “As Cidades Obscuras” de Schuiten e Peeters. Série maior da BD franco-belga, que cedo ultrapassou os limites da própria Banda Desenhada, para dar origem a livros ilustrados, documentários, exposições, intervenções cenográficos e até um congresso em Coimbra (cujas actas deram origem ao livro “As Cidades Visíveis”), “As Cidades Obscuras” é um desses, infelizmente raros, exemplos de que na BD também é possível criar universos complexos e coerentes.
Nascida em 1983, nas páginas da revista (A Suivre) com “Les Murailles de Samaris” e o que era para ser uma história independente, de homenagem à Arte Nova e à arquitectura em “trompe l’oeil”, acabou por dar origem a uma série de histórias autónomas, passadas num universo que os próprios autores definem como sendo um reflexo deslocado da Terra. Um universo constituído por uma série de cidades fantásticas, como Urbicande, Samaris, Brussels, Xystos, ou Phary, verdadeiros protagonistas de histórias fascinantes, que têm como pano de fundo as relações entre a arquitectura e o poder.
Depois de o primeiro volume de “A Teoria do Grão de Areia”, lançado com o jornal “Público” ter tido vendas decepcionantes nos quiosques, cheguei a temer que, tal como aconteceu com “A Fronteira Invisível”, o título anterior da série, também a segunda parte de “A Teoria do Grão de Areia” ficasse inédita em português, mas a verdade é que, um ano depois do 1º volume chegar às livrarias, aqui está a conclusão da história, cujo 1º volume valeu à dupla o Prémio para a Melhor BD Estrangeira no último Festival da Amadora.
Neste 2º volume, graças aos esforços de Mary Von Rathen, a protagonista do álbum “A Menina Inclinada” que agora aparece como uma investigadora de fenómenos paranormais, e de Constant Abeels, que conhecemos do álbum “Brusel”, vamos descobrir a origem dos estranhos fenómenos que afectaram a cidade de Brusel e descobrir zonas ainda desconhecidas do continente Obscuro, como os países Bugti e Moktar.
Embora este álbum possa perfeitamente ser lido por quem não conheça a série, há uma série de personagens e referências que serão mais facilmente compreendidas por quem conhecer bem a obra de Schuiteen e Peeters e o universo das Cidades Obscuras, como é o caso do edifício, desenhado por Victor Horta onde vive a Senhora Autrique, que existe realmente em Bruxelas e que foi recentemente restaurado e dinamizado, muito por via do esforço de Schuiten e Peeters e que neste 2º volume, passa do “universo obscuro” para o nosso mundo.
Marcado por uma forte carga ecológica, esta história que mostra como a acção do homem pode ter consequências devastadoras para o seu habitat, não sendo dos pontos mais altos da série, conta com um Schuiten ao seu melhor nível, a explorar como ninguém a técnica do preto e branco a pincel, na linha dos grandes mestres da BD nos jornais, como Milton Caniff, ou Alex Raymond, com excelentes resultados, em que a opção por um papel em tons de cinzento realça ainda mais o branco das pedras e da areia que invadem as casas de Constant Abeels e da Senhora Antipova.
(“A Teoria do Grão de Areia” vol 2, de Schuiten e Peeters, Edições Asa, 120 pags, 17,50 €)
Versão integral do texto publicado no "Diário As Beiras" de 28/08/2010