segunda-feira, 3 de maio de 2010

O Combate Ilustrado


Chegou às livrarias há poucos meses o livro “O Combate Ilustrado”, obra que, apesar de não ostentar qualquer imagem na capa ocupada por um lettering rosa fluorescente sobre um fundo branco, contém no seu interior centenas de ilustrações de alguns dos maiores nomes da Banda Desenhada e ilustração nacional. Jornal publicado pelo Partido Socialista Revolucionário (PSR), uma das forças políticas que esteve na origem do Bloco de Esquerda, o “Combate” acolheu nas suas páginas um número impressionante de ilustradores e desenhadores que, por militância, ou amizade pelos editores do jornal, encheram as páginas do jornal com imagens e histórias desenhadas.
O livro que motiva este texto, recolhe uma selecção dos trabalhos de ilustração e BD publicados no “Combate”, entre 1986 e 2007, numa escolha coordenada por Jorge Silva, grande responsável pela abertura do “Combate” à ilustração, que assina também a nota de abertura e o arranjo gráfico do livro. E o trabalho de Jorge Silva como ilustrador é uma das agradáveis surpresas deste livro. Indiscutivelmente um dos melhores designers portugueses, Silva foi também um ilustrador extremamente versátil, como o provam os inúmeros trabalhos seus reproduzidos neste “Combate Ilustrado”.
A presença de Jorge Silva como Director de Arte e de João Paulo Cotrim como editor fez com que encontremos nas páginas do “Combate” vários nomes que assumirão grande importância em termos da Banda Desenhada nacional, como Nuno Saraiva (com várias ilustrações e uma deliciosa história sobre as afinidades entre Santana Lopes e Zita Seabra), Fernando Relvas (que criou a Ovelha Negra, a mítica mascote do PSR), Renato Abreu, Richard Câmara, Pedro Burgos, ou João Fazenda, de quem escolhi uma ilustração para acompanhar este texto.
Desconheço se os critérios que presidiram à escolha das ilustrações e Bandas Desenhadas presentes neste “ O Combate Ilustrado” foram apenas estéticos, ou ditados por questões mais pragmáticas, como a dificuldade de acesso a imagens com qualidade suficiente para reprodução, mas uma rápida análise à listagem de todos os ilustradores que publicaram no “Combate” entre 1986 e 2007, reproduzida no fim do livro, permite detectar as ausências neste livro de autores como Alex Gozblau, Filipe Abranches e José Carlos Fernandes.
No caso de José Carlos Fernandes, é mesmo a confirmação de uma relação complicada com o jornal “Combate”, publicação que chegou a vetar uma história sua. Mas deixemos que seja o próprio a contar esta história edificante, que mostra que, por vezes, a censura surge de onde menos se espera: “Ora aqui vai a história da vez em que fui vítima de “implacável censura política”: nos tempos (já lá vão uns 17 ou 18 anos) em que não tinha livros publicados e divulgava as minhas BDs em fanzines e revistas a título “benévolo” (como dizem os franceses), submeti material à LX Comics, que entretanto se extinguiu. O director da LX Comics, que também movia cordelinhos noutras publicações, propôs-me que publicasse antes o material no Combate, orgão informativo do então PSR. Assim aconteceu com uma primeira BD, chamada “Dessert Storm”, que misturava Rodolfo Valentino com a I Guerra do Golfo, mas o mesmo já não aconteceu com a segunda, “O dia em que o capitalismo caiu”. Foi recusada por Francisco Louçã, que não gostou que a dita BD brincasse com a figura de Lenin (esse Santo Homem!), embora a BD satirizasse também o capitalismo e o consumismo.
Espero com esta história pungente poder conquistar um lugar na Galeria dos Mártires da Liberdade de Expressão em Portugal.”
Tendo em conta que há vários autores representados por mais do que uma ilustração, a começar pelo próprio Jorge Silva, não deixa de ser pena as ausências atrás citadas. Não que isso não invalide a oportunidade e o interesse do “Combate Ilustrado”, que nos permite descobrir (ou redescobrir) trabalhos menos conhecidos de grandes nomes da ilustração e BD.
(“O Combate Ilustrado: de 1986 a 2007, Vários Autores, Edições Combate, 228 pags, 20.00 €)
Versão integral do texto publicado no Diário As Beiras de 01/05/2010

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