quarta-feira, 28 de abril de 2010

A Fórmula da Felicidade 2


Pouco mais de um ano após a publicação do 1º Volume eis que chega finalmente às livrarias, a 2ª e última parte de “A Fórmula da Felicidade”, a fulgurante primeira colaboração entre Nuno Duarte e Osvaldo Medina e que este 2º volume vem confirmar como um dos mais interessantes títulos nacionais lançados nos últimos anos.
Embora se trate de uma história única de 88 páginas, razões editorais levaram a que “A Fórmula da Felicidade” fosse publicada em dois volumes, pois publicar a história toda num só álbum de mais páginas e preço mais elevado, implicava um investimento inicial maior e era comercialmente mais arriscado. Provavelmente, as mesmas razões editoriais terão levado a um aumento de preço do 1º para o 2º volume e, o que é mais grave, a uma clara diminuição da gramagem do papel, que não agarra tão bem as cores de Gisela Martins e companhia.
“A Fórmula da Felicidade” conta-nos a história de Victor, um génio da matemática enterrado numa aldeia do Baixo Alentejo, onde vive com a mãe, uma antiga hippy toxicodependente, e que um dia descobre a fórmula matemática da felicidade, para rapidamente se aperceber que é bem mais fácil transmitir felicidade aos outros, do que obtê-la para si… E se a associação com Abraão, um poderoso empresário sem escrúpulos, lhe traz fama e dinheiro para satisfazer todos os seus caprichos, afasta-o cada vez mais da sua própria felicidade. Victor terá (literalmente) que descer da sua torre de marfim até aos esgotos, para finalmente perceber que a felicidade só faz sentido quando partilhada com aqueles que dela mais necessitam e que a sua redenção só será possível através do sacrifício.
Apesar de algum simbolismo demasiado óbvio, de um fim algo previsível, mas perfeitamente coerente com o desenrolar da história, e do toque melodramático/telenovelesco da figura do pai, bem mais interessante quando era apenas uma figura ausente de quem nada sabíamos, para além de que gostava de Jimmy Hendrix, Nuno Duarte faz um excelente trabalho com a “Fórmula da Felicidade”, criando uma história interessante e (muito) bem contada, que Osvaldo Medina passa a imagens com o talento e eficácia que o confirma, já não como a revelação que foi quando saiu o 1º volume, mas como uma das maiores certezas da BD nacional.
Veja-se, por exemplo, o tratamento que dá à expressão dos animais, o dinamismo das cenas de acção e o magnífico plano/sequência da página 42, que aqui reproduzo. Igualmente eficaz, apesar do papel não ajudar, é o trabalho de cor, que marca claramente a diferença entre a corrupção da grande cidade e a pureza do campo, com as suas cores bem mais luminosas.
(“A Fórmula da Felicidade” Vol. 2, de Nuno Duarte e Osvaldo Medina, Kingpin Comics, 46 pags, 14,99 €)
Versão integral do texto publicado no Diário As Beiras de 24/04/2010

sábado, 24 de abril de 2010

Capa rejeitada de Chris Ware para a revista Fortune, ou como o capitalismo não tem sentido de humor


Depois de uma série de capas para a revista New Yorker, Chris Ware, o genial criador da série "ACME Novelty Library", onde nasceu Jimmy Corrigan, the smartest (and most Depressed) Kid on Earth, foi convidado pela revista Fortune para conceber uma ilustração para a capa do nº 500 da revista. A imagem criada por Ware nunca chegou a ser publicada, pois os editores da revista não acharam graça às piadas à forma como o capitalismo desenfreado conduziu ao estado actual da economia, que Ware espalhou de forma discreta (mas bem visível a quem carregar na ilustração para ampliar)na imagem. Felizmente o The Beat , o sempre bem informado blog de Heidi MacDonald, publicou a ilustração, tornando-a vísivel para os fãs de Ware. Como eu.
UMA CORRECÇÃO E UMA ACTUALIZAÇÃO


A capa feita por Ware, não foi para o nº 500 da revista Fortune, mas sim para o nº de Maio, que todos os anos traz a lista das 500 maiores empresas americanas. Aqui fica a rectificação, bem como a capa, bastante mais inócua, de Daniel Pelavin, escolhida para substituir a ilustração rejeitada de Chris Ware e um link para o divertido texto em que Rich (Lying in the Gutters) Johnston analisa em pormenor as "inside jokes" que Ware meteu na sua ilustração.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Bilal regressa com Animal'Z


Depois de “Quatro?”, álbum que encerra a trilogia em 4 volumes iniciada com “O sono do Monstro”, Enki Bilal regressa com “Animal’Z”, um peculiar western futurista que a Asa acaba de lançar em Portugal.
Como o próprio Bilal refere numa entrevista, “Animal’Z representa “uma ruptura narrativa -um one-shot, uma história num único álbum de perto de 100 páginas - mas também gráfica: preto e branco, em vez de pintura, o desenho em estado puro, realçado por alguns toques de cor, um traço mais rápido, mais enérgico. O tema é a destruição do planeta pelos elementos, o homem desamparado pelas suas falhas, e os animais que tentou modificar através de experiências. Estes tornaram-se simultaneamente nossos amigos e nossos inimigos, pois todos temos o mesmo objectivo: encontrar a pouca água potável que ainda resta. É um espécie de Western futurista, em ruptura com os temas longos e complexos que abordo há largos anos”
Por oposição a “Quatro?” e aos álbuns que o precederam, este “Animal’Z”, embora utilize o mesmo processo de tratar cada ilustração de forma individual, sendo a montagem da página feita posteriormente em computador, mostra um Bilal longe do fantástico trabalho de cor a que nos habituou, optando por explorar o traço de forma livre, num trabalho executado a grafite e pastel seco, num registo quase monocromático, em que a principal nota de cor é dada pela tonalidade do papel, em tons de azul, quebrado por pequenos apontamentos de branco e de vermelho. Em termos de construção de um universo futurista credível, Bilal continua a ter coisas inimitáveis e a fusão entre o humano e o aquático, simbolizado pelas imagens fortíssimas de homens e mulheres que saem de um corpo marinho, são um bom exemplo.
Ambientado numa Terra devastada pelo “golpe de sangue”, uma catástrofe natural que tornou a maior parte do planeta inabitável e a água potável um bem tão raro como precioso, “Animal’Z”, apesar do cenário pós-apocaliptico, segue as regras bem codificadas do Western, colocando dois pistoleiros em confronto, só que estes são dois pistoleiros niilistas, cuja perícia faz com que mutuamente se neutralizem, que cavalgam zebras/cavalos geneticamente modificadas e um deles não poupa nas citações.
Aliás, o excesso de referências literárias é um dos problemas de “Animal’Z”, em que a depuração gráfica não tem correspondência nos diálogos, que roçam o pedantismo, encadeando citações atrás de citações, como se não houvesse amanhã. E aqui, não posso deixar de concordar com a afirmação de Owles, uma das personagens do livro que, citando Cioran, diz: “tenho uma certa tendência para desconfiar daqueles cujo espírito só funciona com base no pensamento dos outros”. Uma autocrítica que só fica bem a Bilal, um excelente desenhador que raramente conseguiu escrever argumentos que façam esquecer as suas saudosas colaborações com Pierre Christin.
(“Animal’Z”, de Enki Bilal, Edições Asa, 104 pags, 19,50 €)
Versão integral do texto publicado no Diário As Beiras de 17/04/2010

terça-feira, 13 de abril de 2010

Bórgia 2: O Poder e o Incesto


Chega finalmente às livrarias portuguesas o 2º volume da série “Borgia”, título que reúne o argumentista Alejandro Jodorowsky com o desenhador Milo Manara, numa viagem pela história da mais poderosa família italiana do Renascimento. Um encontro entre o criador chileno e o desenhador italiano que, mais do que uma grande jogada de marketing por parte da editora, que assim reúne um “dream team” de respeito, era tudo o indica, só uma questão de tempo, pois um dos projectos de filme nunca concretizado que Jodorowsky alimentou durante mais tempo foi a adaptação ao cinema de “Viagem a Tulum”, uma BD de Manara escrita por Federico Fellini, em que Jodorowsky e Moebius aparecem como protagonistas.
A fama da família Bórgia é justificada pela importância histórica dos seus membros e pelo papel capital que desempenharam na Itália do Século XVI. Para além de Rodrigo Bórgia, que chegou a Papa, com o nome de Alexandre VI (foi durante o seu Papado que foi assinado o Tratado de Tordesilhas, que dividiu o mundo entre Portugal e Espanha), também o seu filho César, para além de ter sido um dos mecenas de Leonardo Da Vinci, ficou na História pela sua governação exemplar, que lhe valeu ter servido de modelo a Maquiavel para o seu famoso “O Príncipe”.
Isto para já não falar da irmã, a bela Lucrécia Bórgia, cuja fama de assassina implacável, perita no uso dos venenos, se deve muito mais à versão romanceada que Victor Hugo dela apresentou numa peça escrita no século XIX, do que a dados históricos concretos. Mas é o lado mais sombrio dos Bórgia, a forma implacável como souberam alimentar a sua sede de luxúria e poder, que tem inspirado os escritores, de Victor Hugo e Alexandre Dumas, até Mário Puzo e Jodorowsky.
Tal como Mário Puzo (autor de “O Padrinho”) que apresentou os Bórgia como a primeira família mafiosa, no último romance que escreveu, publicado após a sua morte, Jodorowsky também se centra nas intrigas palacianas, traçando um retrato nada lisonjeiro dos príncipes do Renascimento e dos seus jogos de poder. Um retrato da Igreja que prossegue na série "Le Pape Terible", desenhada por Theo e que tem como protagonista o Papa Júlio II, rival e inimigo de Rodrigo Bórgia e, de acordo com Jodorowsky, responsável pela morte deste. Depois de um primeiro volume dedicado às movimentações de bastidores que conduziram à eleição de Rodrigo Bórgia como Papa, este segundo tomo tem Lucrécia Borgia como protagonista, mostrando a sua relação incestuosa com o irmão César, incentivada pelo próprio pai por motivos políticos e o seu casamento de conveniência com Giovanni Sforza.
O argumento de Jodorowsky não é aconselhável a espíritos mais sensíveis, pois há esquartejamentos, tortura, orgias várias, famílias inteiras mortas e um homem devorado por cães. Já Milo Manara, que se supera no rigor da reconstituição histórica (veja-se a imagem do Duomo de Florença na profecia de Savonarola) e no trabalho de cor, consegue dar alguma elegância às cenas de grande violência e crueldade e mantém-se igual a si próprio no erotismo e na sensualidade das suas mulheres ideais, mas tremendamente carnais.
Quando escrevi sobre o primeiro volume da série, terminei o meu texto assim: “e agora, resta-nos esperar que o 2º volume, que já saiu em França, não tarde muito a chegar a Portugal…”. Quatro anos depois, eis que a Asa lança finalmente o 2º volume. Façamos votos para que não seja necessário esperar mais quatro anos pela publicação do 3º volume …
(“Bórgia 2: O Poder e o Incesto”, de Alejandro Jodorowsky e Milo Manara, Edições Asa, 54 pags, 16,00 €)
Versão integral do texto publicado no Diário As Beiras de 10/04/2010

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Manara desenha as Mulheres dos X-men


O projecto não era propriamente secreto e há já alguns anos que o desenhador italiano falava dele nas entrevistas que dava mas, depois de ter sido publicado em Itália e Espanha,em finais de 2009, numa edição a preto e branco e capa dura, "X-Men Ragazze in Fuga", a novela gráfica protagonizada pelas mulheres dos X-Men, que Chris Claremont escreveu para Milo Manara, vai finalmente sair nos EUA no próximo mês de Julho.
Projecto produzido pela Panini, editora italiana que gere os direitos da Marvel fora dos EUA e que representa também Manara, "X-Men Ragazze in Fuga" insere-se na mesma linha de outras experiências feitas pela Panini de colocar autores europeus a criarem a sua versão de personagens da Marvel, como aconteceu com Morvan e Buchet em "Wolverine Saudade" e com Faraci e Villa em Daredevil e Captain américa: Segunda Morte".
Quando entrevistei Manara para o BD Jornal, durante o Festival da Amadora de 2008, estava previsto que a história com as X-Women fosse colorida por Liberatore, o desenhador de Ranxerox, mas o facto da edição da Panini, lançada em Novembro de 2009, no último Festival de Lucca, ter saído a preto e branco, dá a entender que Liberatore não deu conta do recado e a edição americana vai ter afinal cores de Dave Stewart, colorista, entre muitas outras coisas, da série Hellboy.
Conhecendo a forma como os comics mainstream lidam com o erotismo, duvido que Manara tenha tido aqui a liberdade que teve quando ilustrou um dos contos de Sandman:Endless Nights, de Neil Gaiman, até porque a Marvel não é a Vertigo...
Esperem, portanto, um erotismo muito mais sugerido do que explícito, longe do que Manara nos habituou nos seus trabalhos para o mercado europeu.
Resta também saber se a BD Mania que editou em Portugal as anteriores experiências da Panini com criadores europeus, estará a pensar lançar as X-Women de Manara. No estado em que está o mercado nacional, toda a edição é um risco, mas à partida, trata-se de um projecto com um potencial comercial muito superior ao de "Wolverine Saudade"...

domingo, 4 de abril de 2010

Caçador de Autógrafos I: Eduardo Risso


Lembrei-me que uma maneira interessante de animar este blog, nas semanas em que não sai um texto meu nas Beiras e não há tempo, ou disposição, de escrever longos posts, era divulgar aqui alguns dos desenhos com que diversos autores de Banda Desenhada me presentearam ao longo dos tempos. Para começar esta rúbrica, que será mais ou menos regular, escolhi um dos meus desenhadores favoritos, o argentino Eduardo Risso, desenhador da série 100 Bullets e colaborador habitual de Carlos Trillo, o maior argumentista argentino vivo.
O primeiro autógrafo que consegui de Risso, foi em 1998, no Festival de Angoulême, onde ele estava para o lançamento da edição francesa de Chicanos, uma série escrita por Trillo e protagonizada por uma detective privada mexicana de fraquíssima figura chamada Jalisco. E foi precisamente Jalisco que ele me desenhou.

O nosso encontro seguinte deu-se em 2002, no Salão de Barcelona, onde o entrevistei para o nº 5 da saudosa revista Comix, que além da entrevista, trouxe uma capa e uma história de 22 páginas desenhadas por Eduardo Risso.

Voltámos a encontrar-nos no ano seguinte em Portugal, quando Risso, acompanhado de Carlos Trillo estiveram no Festival da Amadora e passaram também pela BD Mania, onde Risso autografou o primeiro nº da história do Batman escrita por Brian Azzarello, que tinha acabado de sair nos EUA. Essa história, "Broken City", sairia em português, anos mais tarde, numa edição da Devir, traduzida por mim.
Na passagem de Risso por Portugal ganhei dois desenhos, de dois personagens da série 100 Bullets, uma Dizzy Cordova, que me desenhou no 1º volume da edição portuguesa de Eu, Vampiro e um Cole Burns, que escolhi para abrir este texto e que enriquece o meu 2º trade paperback de 100 Bullets, "Split, Second Chance".
O último desenho que tenho de Risso, é uma prancha original de 100 Bullets que comprei em 2005 na San Diego Comic Con, ao seu agente e que, por coincidência, pertence a um dos comics incluídos no volume que tenho autografado. Aqui fica o original (que está emoldurado na parede da minha sala e por isso, foi fotografado em vez de digitalizado) e a página impressa correspondente.