segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Jacques Martin, morreu o criador de Alix


Depois de Tibet no dia 3 este primeiro mês de 2010 vê também partir Jacques Martin, o criador de Alix e Lefranc, falecido esta quinta-feira, 21 de Janeiro, numa clínica suíça, aos 88 anos de idade. Último sobrevivente da chamada “escola de Bruxelas”, ligada à revista “Tintin” onde esteve desde a primeira hora, ao lado de Hergé e Edgar Pierre Jacobs, Jacques Martin que, tal como Jacobs também trabalhou nos estúdios Hergé, é considerado como o grande mestre da Banda Desenhada histórica, género a que consagrou a maioria da sua produção, com a excepção de Lefranc, um jornalista aventureiro cujas aventuras com um toque de fantástico e de ficção científica, passadas nos anos 50, se aproximavam (até no carisma do mau da fita, Axel Borg) da série “Blake e Mortimer”, de Jacobs.
Nascido em Estrasburgo, em 1921, Martin estreou-se na Banda Desenhada em 1946 na revista belga “Bravo”, por onde também passou Jacobs, a quem se juntaria mais tarde na revista “Tintin”, em cujas páginas nasceu Alix, um jovem gaulês adoptado pelos romanos que, ao lado do seu amigo Enak, um órfão de origem egípcia, percorre o Império romano, na época de Júlio César. Paradigma da ficção histórica cuidadosamente documentada, a série “Alix” rapidamente conquistou os leitores, abrindo caminho a uma carreira de sucesso, que contou com mais de 15 milhões de álbuns vendidos ao longo de 60 e poucos anos de actividade.
Para além de Alix e Lefranc, Martin criou vários outros heróis, cujas aventuras decorriam em épocas históricas concretas, personagens cujas histórias apenas escrevia deixando o desenho para outros autores. É o caso de Jhen, cujas aventuras decorrem durante a Guerra dos Cem anos, desenhado por Jean Pleyers; de Arno, contemporâneo das guerras napoleónicas, cujos primeiros álbuns foram desenhados por André Juillard; das séries “Orion” e “Keos”, ambientadas respectivamente na Grécia antiga e no Egipto faraónico; e da série “Lois”, desenhada por Olivier Pâques, passada na França de Luís XIV.
Jacques Martin, que progressivamente se foi afirmando mais como argumentista do que desenhador (além das séries que criou, escreveu ainda um episódio de Corentin, de Paul Cuvelier, que este não chegou a desenhar e que Martin adaptaria para o álbum de Alix, “Les proies du volcan”) acabaria por abandonar de vez o desenho nos finais dos anos 80, na sequência de sérios problemas de visão que o deixaram quase cego.
Coube então a uma equipa de colaboradores, como Gilles Chaillet, Rafael Moralles, Christophe Simon, André Taymans, ou Thierry Cayman, assegurar o desenho das séries criadas por Martin, com resultados relativamente desiguais. Actualmente, Martin apenas supervisionava as séries, que já nem sequer escrevia e que, por isso lhe irão naturalmente sobreviver, como era sua vontade.
Em Portugal, “Alix” foi presença constante nas páginas da edição nacional da revista Tintin, tendo as Edições 70 editado mais de uma dezena de álbuns da série, durante as décadas de 70 e 80. Posteriormente a Asa reeditou alguns desses álbuns ao mesmo tempo que editou outros (poucos) títulos mais recentes, mas a grande maioria da série não está actualmente disponível em português, situação que se deverá alterar com a colecção que as Edições Asa vão lançar em Março com o jornal Público e que inclui 16 álbuns de “Alix”, escritos e desenhados por Jacques Martin.
Texto originalmente publicado no Diário as Beiras de 23/01/2010

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Terror à portuguesa


Género sem grande expressão em termos da Banda Desenhada nacional, o terror parece ter conhecido nos últimos tempos um súbito acréscimo de popularidade, junto dos leitores e autores portugueses. Se esse facto, de que os dois títulos que motivam este texto são a confirmação, reflecte uma tendência internacional, que se alarga à literatura e ao cinema, através de fenómenos como a saga “Twilight”, ou a série televisiva “True Blood”, ou o notório renascer do interesse nos filmes (e nos livros) de zombies, até há bem poucos anos a realidade era bem diferente.
Com a excepção do trabalho de divulgação do material da Editora Warren feito por Roussado Pinto, durante os anos 70, pouco ou nada se publicou de terror em Portugal nos últimos 30 anos, com a excepção recente do trabalho de David Soares (tanto em termos de Banda Desenhada, como de literatura) e de alguns títulos da Vertigo, traduzidos pela Devir e Vitamina BD. Daí, que se saúde com particular agrado estas duas edições.
Mas comecemos por “Mucha”, título que assinala o regresso à BD de David Soares, 6 anos depois de “A Última Grande Sala de Cinema”, trabalho que lhe valeu uma das últimas Bolsas de Criação Literária concedidas à Banda Desenhada. Escritor com uma voz muito própria, patente em romances como “A Conspiração dos Antepassados”, ou nos contos que constituem o livro “Os Ossos do Arco-Íris”, Soares regressa à BD apenas como argumentista, deixando o desenho nas mãos (mais do que) competentes de Osvaldo Medina, o desenhador do excelente “A Fórmula da Felicidade”, cuja versatilidade fica bem patente nesta mudança de registo gráfico.
Livremente inspirado num conto de Ionesco, “Mucha” inverte a premissa da “Metamorfose” de Kafka (desta vez, não é o protagonista que se transforma num insecto, mas sim todos os que o rodeiam) e transfere a acção para a Europa durante a ascensão do nazismo, colocando o terror sobrenatural num diálogo (sem legendas) com o terror real das atrocidades cometidas pelas tropas nazis. Embora contada com grande eficácia, a (curta) história de “Mucha” sabe a pouco e deixa o leitor na expectativa de outros trabalhos de maior fôlego, como foram as anteriores incursões de Soares pela BD. Por fim, há que salientar o trabalho do editor Mário Freitas (que aqui assegurou também a passagem a tinta, design e legendagem do livro), que aos poucos está a construir o catálogo bastante interessante na sua editora Kingpin Comics.

Quanto a “Zona Negra”, novo projecto de Fil, depois da revista “Zona Zero”, a primeira constatação é que a excelente capa de Eduardo Monteiro merecia abrigar um conteúdo com outra consistência… Se a distância que separa “Mucha” de “Zona Negra” é a mesma que separa um produto profissional de outro feito por um grupo de amadores bem intencionados, há, além disso, uma clara quebra de nível entre o conteúdo do primeiro “Zona Zero” e este “Zona Negra”, até mesmo em termos de impressão. Se há algumas experiências visuais curiosas, como a história “A.L.I.E.N., de Bruno Bispo e Victor Freundt e histórias relativamente interessantes, como a de Roberto Macedo Alves (que só teria a ganhar com um desenho melhor), o nível geral é bastante fraco, até para o que é habitual nos autores envolvidos, ao que não terá sido alheio o pouco tempo que tiveram para entregar as histórias…
E se a estes dois títulos juntarmos “As Extraordinárias Aventuras de Dog Mendonça e Pizza Boy”, o projecto de Filipe Melo (o co-realizador de “I’ll See you in My Dreams”, o primeiro filme de zombies português) que deverá chegar às livrarias nos próximos meses, numa edição da Tinta da China, não há grandes duvidas que o terror à portuguesa está bem vivo!
(“Mucha”, de David Soares e Osvaldo Medina, Kingpin Comics, 36 pags, 8,95 €
“Zona Negra”, vários Autores, Zona BD, 52 pags, 4,50 €)

Texto originalmente publicado no Diário As Beiras de 16/01/2010

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Stolz Der Nation - O filme dentro do filme de Tarantino



Aqueles que viram o último filme de Tarantino, o magnífico Inglorious Basterds, lembram-se certamente do filme de propaganda cuja antestreia reuniu num cinema francês o estado maior Nazi, incluíndo o proprio Hitler. Pois, para além das cenas dispersas que passam no cinema, existe uma curta metragem filmada por Eli Roth(o realizador da série Hostel e amigo de Tarantino, que também entra no filme como actor) que até tem um site próprio onde é possível ver um trailler do (falso) filme. A edição especial em DVD de Inglorious Basterds (ou Sacanas sem Lei na versão portuguesa)traz a curta de Eli Roth, onde se juntam homenagens a Lenni Riefenstahl e a Sergei Eisenstein (há uma cena com um carrinho de bebé que remete imediatamente para o Couraçado Pontenkin), mas agora graças ao mundo maravilhoso do You Tube, o filme está também disponível na Net. Enjoy!

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Evocando Tibet, o criador de Ric Hochet e Chick Bill


Este novo ano que agora começa, já viu partir um nome grande da Banda Desenhada franco-belga. Tibet, o prolífico criador de Ric Hochet e Chick Bill, provavelmente, o desenhador com mais álbuns publicados, ao longo de uma carreira de quase 60 anos, faleceu no passado dia 3 de Janeiro, aos 78 anos, em Roquebrune-sur-Argens, uma cidadezinha balnear na Côte d’Azur, onde Tibet e a mulher costumavam passar férias e onde existe um Boulevard (uma rua larga e arborizada, cujas iniciais identificativas são precisamente…Bd) Ric Hochet.
De seu nome verdadeiro Gilbert Gascard, o francês Tibet (a alcunha foi-lhe dada pelo seu irmão mais novo, então com pouco mais de um ano, que não conseguia pronunciar “Gilbert”, e ficou para sempre) nasceu em 1931 em Marselha, tendo iniciado uma carreira na animação em 1948, nos Estúdios Disney, onde conheceu Duchâteau. Tendo entrado na redacção da revista Tintin em 1951, foi nessa revista que nasceram as suas duas séries mais populares. Primeiro, em 1953, Chick Bill, um western humorístico, inicialmente protagonizado por animais antropomorfizados que acabaram por se transformar em humanos, por insistência de Hergé, cuja força reside na relação entre o xerife Dog Bull e o seu imbecil adjunto Kid Ordin. Escrita e desenhada por Tibet (com excepção de alguns episódios, escritos por Greg, Chick Bill” é um pouco menos popular do que “Ric Hochet”, mas ainda assim um grande sucesso, com o 70º álbum da série a ser lançado em França, dentro de dias, a 15 de Janeiro.
Já “Ric Hochet” estreou-se em 1955, no nº 242 da edição belga da revista Tintin com a história curta “Ric Hochet méne le Jeu”, escrita por A. P. Duchâteau, em que o futuro jornalista é ainda um simples ardina de treze anos que se deslocava numa scooter, em vez do vistoso Porsche amarelo que bem conhecemos. A partida de Duchâteau para o Congo em 1956 fez com que o jovem vendedor de jornais desaparecesse de circulação durante uns anos, para regressar em 1958, já com 17 anos, como jornalista do La Rafale, propondo todas as semanas um enigma policial ilustrado para os leitores da revista Tintin resolverem. Só em 1963, um Ric Hochet entretanto tornado adulto se estreia numa história longa, com “Traquenard au Havre”, primeiro título de uma colecção que já alberga 76 volumes, publicados a um ritmo, pouco habitual na BD franco-belga, de um novo álbum de oito em oito meses.
Alternando os álbuns de Chick Bill com as aventuras de Ric Hochet, Tibet era um dos raros (senão mesmo o único...) autores franco-belgas a conseguir publicar mais de três álbuns por ano, mantendo inalterável a qualidade do seu traço caracterizado por uma grande legibilidade habitual nos autores da “linha clara” (género definido pelas cores planas e traço estilizado, normalmente associado ao trabalho de Hergé, de quem Tibet foi assistente) algo só possível graças à colaboração de assistentes, na série “Ric Hochet”, que lhe desenhavam os cenários e os carros. E além das duas séries, Tibet ainda teve tempo para outros projectos mais pessoais, como a série “Aldo Remi” (dois volumes, publicados pela Editora Glenat e um terceiro completo, mas ainda inédito), ou o romance autobiográfico “Qui a fait pleurer maman”, sobre a sua infância, marcada pela doença da mãe.
Também em Portugal, onde a versão nacional da revista “Tintin” formou toda uma geração de leitores, actualmente entre os 35 e os 50 anos, a popularidade de Ric Hochet era enorme, tendo sido presença constante na revista Tintin e em álbuns das editoras Bertrand, Futura e Dom Quixote, para além de ter sido incluído na colecção “Série Ouro”, editada pela Panini com o jornal “Correio da Manhã” e, naturalmente, na colecção “Clássicos da Revista Tintin”, editada em 2009 pela Asa e pelo Jornal “Público”.
As aventuras de Ric Hochet deverão continuar, mesmo depois da morte de Tibet, que deixou o 77º álbum da série, a editar em Março, completamente pronto e já tinha desenhado 28 páginas do volume seguinte, além de que ele e Dûchateau tinham um acordo que lhes permitia prosseguir a série, no caso de um deles decidir parar. Mas mesmo que assim suceda, não apaga a perda de um criador incansável, cuja simpatia e sentido de humor eram tão lendárias, como a sua capacidade de contar histórias divertidas. Um dos últimos sobreviventes da fase inicial da revista Tintin que, no autoretrato que escolhi para fechar este texto, surge a esculpir a efígie de Ric Hochet num rochedo, suspenso de uma corda segura pelo seu cúmplice Duchateau.
(Versão alargada de um texto originalmente publicado no Diário As Beiras de 9/01/2009)

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

As 10 melhores BDs que li em 2009 - Parte II


E aqui vai a parte final da lista. Há outros títulos que podiam perfeitamente aqui estar, como Le Telescope, de Van Hamme e Teng, Wolverine: Old Man Logan, de Mark Millar e Steve McNiven, Topless, de Le Gouefflec e Balez, Joker, de Azzarello e Lee Bernejo, L'Encre du Passé, de Mael e Bauza,ou Le Groom vert de gris, de Schwartz e Yann, mas só podia escolher 10...

6 - 100 Bullets (Brian Azzarello e Eduardo Risso)

Depois da saida do último volume, pude finalmente reler a série na integra e comprovar como Azzarello tinha grande parte da história planeada desde o início. Mas a verdade é que esta complexa e violenta história que tem a vingança como motivo central, não funcionaria tão bem sem o talento gráfico de Eduardo Risso, grande desenhador e fantástico narrador.



7 - The Photographer (Guibert e Lefevre)
Não é propriamente uma novidade,mas só este ano, com a publicação da edição integral da First Second é que pude finalmente ler na sua totalidade este tocante relato da experiência do fotógrafo Didier Lefèvre junto dos Médicos sem Fronteira, no Afeganistão sob ocupação soviética. Misturando as fotografias de Lefèvre com os desenhos de Guibert em sequências narrativas, Le Photographe é um livro fortíssimo, incapaz de deixar indiferente quem o leu.



8 - The Eternal Smile (Derek Kirk Kim e Gene Luen Yang)
Gene Luen Yang (American Born Chinese) e Derek Kirk Kim (Same Diference and other Stories) juntaram-se para criar este livro, escrito pelo primeiro e ilustrado pelo segundo, composto por três histórias, aparentemente muito diferentes, mas que se completam. Mudando de registo, narrativo e estético, em cada capítulo, de uma história de fantasia em cenário medieval, a uma homenagem ao tio Patinhas de Carl Barks, protagonizada por um sapo, até à (genial) história final, em que um secretária timida e solitária responde a um mail de um Príncipe da Nigéria que precisa de ajuda para tirar o seu dinheiro do país, Yang e Kim constroem um belíssimo livro, que representa um óbvio passo em frente nas respectivas carreiras.



9 - Dylan Dog: Il Piacere della Paura (Tiziano Sclavi e vários)
Primeiro volume de uma colecção comemorativa dos 100 anos da BD em Itália, produzida pela Panini e distribuída com dois dos principais jornais italianos, Il Piacere delle Paura é um volume de 300 páginas em capa dura, consagrado, na sua maioria à série Dylan Dog, de que publica duas histórias longas e duas histórias curtas. Todas são de bom nível, como é habitual na série, mas há duas verdadeiras pérolas, que eu desconhecia. Finché morte non vi separe, uma macabra história de amor passada numa época em que Dylan Dog era ainda polícia, que lida com a questão do terrorismo irlandês, e La piccola bilioteca di Babele, um genial divertimento borgesiano sobre uma cidade que vai deixando gradualmente de existir.



10 - Gil Jourdan Integrale Vol 1 e 2 (Maurice Tillieux)
Publicadas originalmente entre 1956 e 1963, as histórias recolhidas nos 2 primeiros volumes da reedição integral da série Gil Jourdan que a Dupuis está a levar a cabo, resistiram ao tempo com a dignidade de um bom Vinho do Porto. Misturando o humor com as intrigas policiais bem engendradas, Tillieux criou um clássico com a série Gil Jourdan. Fazendo uma sintese muito pessoal entre os estilos de Franquin e Hergé, a arte de Tillieux manteve toda a frescura e o seu ritmo narrativo é notável. Ainda por cima, esta nova edição está muito bem feita e conta com uma série de extras com muito interesse.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Krazy + Ignatz + Pupp


Já por várias vezes objecto de referência neste espaço, o trabalho efectuado Por Manuel Caldas na recuperação e divulgação dos clássicos da Banda Desenhada (especialmente) americana, não tem paralelo em Portugal.
Além do “Príncipe Valente” de Hal Foster, cujos seis primeiros volumes contaram com o seu exaustivo trabalho de restauro e da série “Lance”, de Warren Tuffs, Caldas recuperou também “Haggar, o Viking”, de Dirk Browne, “Ferd’nand”, de Mik, a adaptação de “Tarzan dos Macacos”, feita por Harold Foster, a que se se junta agora uma selecção das melhores pranchas a cores de “Krazy Kat”, a mítica e inimitável série de George Herriman.
Se ninguém põe em causa o mérito do trabalho de Caldas, que vem ajudar a preencher uma lacuna importante em termos da edição de BD em Portugal, já em termos puramente editoriais, as suas opções são mais discutíveis. Concretizando, será que séries como “Haggar, o Viking” e “Ferd’nand” justificam uma edição integral (quer em termos comerciais, quer da própria qualidade das séries), ou não teria sido mais sensato optar por uma selecção das melhores tiras de cada uma das séries? A opção de Manuel Caldas mostra que acredita na importância destas séries e na sua viabilidade comercial, mas pessoalmente, tenho dúvidas que haja um número suficiente de leitores interessados em acompanhar por vários volumes, séries como “Hagar” e Ferd’nand”…
Reunindo as tiras publicadas durante o ano de 1938, “Ferd’nand retorna”, mantém as características já evidenciadas no primeiro volume da série. A criação do dinamarquês Henning Dahl Mikkelsen, consegue contar, em tiras de 3 a 4 desenhos, sem recurso a qualquer texto ou diálogo, um gag visual. Mas a verdade é que, das mais de 300 tiras reproduzidas neste volume, só umas 2 ou 3 é que são verdadeiramente memoráveis, e a maioria apenas a custo arranca um leve sorriso ao leitor.

Já texto é coisa que não falta na adaptação do romance “Tarzan dos Macacos”, de Edgar Rice Burroughs, feita por Hal Foster. Publicada pela primeira vez em Portugal, esta primeira experiencia de Foster com Tarzan, personagem a que voltaria anos mais tarde, como desenhador das tiras dominicais da série (etapa parcialmente editada em Portugal pelas Edições Futura, na década de 80), é considerada como a primeira Banda Desenhada realista, mas a verdade é que a articulação entre texto e imagem, que constitui a essência da linguagem da BD, se faz aqui de forma bastante incipiente, com o texto, que está longe de ser um primor literário, a revelar-se muitas vezes redundante em relação às ilustrações de Foster que, apesar das debilidades próprias de um artista em início de carreira, mostram uma força e uma energia visceral que de algum modo se perdeu no seu trabalho posterior na série “Príncipe Valente”.
Por último, temos aquela que me parece a aposta de Manuel Caldas com mais hipóteses de sucesso comercial. A edição de uma selecção das páginas a cores da série “Krazy Kat”, um clássico incontornável da BD mundial que, depois dos 2 álbuns editados pelos Livros Horizonte, na década de 90, em boa hora regressa às livrarias portuguesas.
Exemplo perfeito do surrealismo na Banda Desenhada, a série de Herriman parte de um peculiar triângulo amoroso constituído por um gato (ou gata, o autor é ambíguo a esse respeito), um rato e um cão, em que a gata Krazy está apaixonada pelo rato Ignatz, que lhe manda com tijolos à cabeça, enquanto ignora o amor do guarda Pupp, um cão que está constantemente a prender o rato Ignatz pelas agressões a Krazy que vê as tijoladas como um acto de amor. Um esquema aparentemente repetitivo, mas que Herriman inova constantemente, tal como os cenários de Cocomino County, o estranho deserto onde decorre a acção, estão em constante mutação.
Optando por pranchas com pouco texto, face à quase impossibilidade de traduzir a peculiar linguagem inventada por Herriman, Manuel Caldas consegue uma bela edição, em que as páginas cuidadosamente restauradas fazem justiça à arte de George Herriman, permitindo ao leitor, como bem salienta Álvaro Pons no prefácio, o pleno desfrute de “uma experiência sensorial que deslumbra o espectador de hoje tanto como no seu tempo deslumbrou Picasso, Cummings e Kerouak, os quais viam nas suas páginas o cume da arte do século XX:”
(“Ferd’nand Retorna”, de Mik, Libri Impressi, 120 pags, 12,50 €
“Tarzan dos Macacos”, de Harold R. Foster (a partir do romance de Edgar Rice Burroughs), Libri Impressi, 70 pags, 12,50 €
“Krazy Kat”, de George Herriman, Libri Impressi, 48 pags, 13 €
Mais informações em www.manuelcaldas.com)

(texto originalmente publicado no Diário As Beiras de 02/01/2010)

sábado, 2 de janeiro de 2010

As 10 melhores BDs que li em 2009 - Parte I


É mais ou menos tradição, nesta altura do ano, fazer listagens relativas ao ano que passou. Neste caso, a minha lista corresponde, não às melhores BDs publicadas em 2009, mas assim àquelas que eu li este ano, independentemente da sua data de publicação original

1 - El Eternauta (Oesterheld e Solano Lopez)
Mais de 50 anos após a sua publicação inicial, esta história de uma invasão extra-terreste a Buenos Aires continua a ser uma obra fortíssima e, a par com Mort Cinder, o melhor trabalho de Oesterheld. Violenta, dramática e poética, esta primeira versão de Eternauta é a definitiva. Oesterheld voltaria ao tema,anos mais tarde, numa nova versão desenhada por Breccia e numa continuação, mais politizada, novamente com Solano Lopez, mas mesmo que estas duas versões sejam graficamente superiores ao original, não têm a força da primeira aventura de Juan Salvo, o Eternauta.



2 -Blast 1 e La ligne de Front (Manu Larcenet)
Quem já leu Le Combat Ordinaire (ou Ordinary Victories, na edição americana da NBM), não tem grandes dúvidas de que Larcenet é um excelente autor, mas quem analisar maia fundo a sua obra descobrirá que Larcenet é também muitíssimo versátil. Dos vários livros dele que descobri (em muitos casos, com atraso) em 2009, aqui ficam os dois que mais me impressionaram. Blast, é seu mais recente trabalho, uma história inquietante e perturbadora, que prende o leitor ao relato de Polza Mancini, que vamos conhecendo ao mesmo tempo que os polícias que o estão a interrogar. Já La Ligne de Front, álbum publicado originalmente em 2004, está mais próximo do humor delirante dos trabalhos que Larcenet fez para a revista Fluide Glacial. Integrado na série Une Aventure Rocambolesque... que pega em personagens históricas conhecidas e as coloca em histórias e cenários improváveis, La Ligne de Front tem como protagonista o pintor Van Gogh, mandado para a Linha da Frente para pintar a guerra. O resultado é simultaneamente divertido e comovente.

3 – Scalped (Jason Aaron e R. M. Guera)
A melhor série em publicação da Vertigo e um dos melhores policiais que já li em BD. Já analisado em pormenor neste blog, uns posts atrás.


4 - Dans Mes Yeux (Bastien Vivés)

Uma vulgar história de amor, contada de forma inesperada (inteiramente em câmara subjectiva, com o leitor a ver exactamente o mesmo que o protagonista), Dans mes Yeux foi uma muito agradável surpresa, que vem confirmar Vivés como um talento ascendente. É certo que este recurso narrativo não é novo (do cinema à BD, não faltam os exemplos), mas não me lembro de ninguém o ter usado de forma tão radical e com tanta mestria, como Bastien Vivés.

5 - Pluto (Naoki Urasawa)
Depois de Monster e de 20th Century Boys, duas séries notáveis pela forma como prendem o leitor, Urasawa consegue superar-se uma vez mais! Partindo de uma das mais conhecidas aventuras de Astroboy,The Greatest Robots on Earth, Urasawa, faz muito mais do que homenagear Osamu Tezuka, o criador de Astroboy. Cria mais uma história de suspense absolutamente viciante, protagonizada por robots profundamente humanos.

Continua...